terça-feira, 28 de janeiro de 2020

O efeito borboleta no treino de tiro

O efeito borboleta (Edward Lorenz, 1969) é um termo que demonstra, grosso modo, a dependência dos resultados finais às condições iniciais. Tal efeito faz parte da Teoria do Caos, que é utilizada nas ciências exatas, médicas, biológicas e humanas.

Tal efeito também encontra aplicação em qualquer sistema que seja dinâmico, adaptativo e complexo.

De algum modo isso se aplica ao treinamento policial e, em especial, à construção de uma aula de tiro.

Então, dependendo do resultado final que se deseja alcançar, as condições iniciais precisam ser estabelecidas, testadas, reavaliadas e aplicadas. Após essa primeira aplicação, a aula pode ser novamente avaliada e readequada, se for o caso.

O plano de aula

O relevante é que cada etapa seja pré-requisito para a próxima, e assim por diante. Ou seja, cada exercício deve ter um objetivo específico, sem que se perca de vista a sua aplicação no exercício seguinte e o resultado final.

Um plano de aula nunca é o mesmo no caminhar de um treinamento. Por exemplo, quando elaboro um plano, sigo até o estande de tiro, onde testo todos os exercícios. Avalio a carga horária, a quantidade de recursos (alvos, munição, etc.), o número de repetições, o que pode ser agregado ao exercício e que sirva de conexão para o treino do semestre seguinte. E aqui já faço as primeiras alterações.

A primeira turma passa pelo treino e, considerando o resultado final, posso fazer ajustes adicionais.

Daí seguem as outras turmas e as mesmas perguntas: as condições iniciais do treino permitem que os policiais atinjam o resultado final? Há, de fato, uma dependência entre os exercícios? São eles que fortalecem os resultados? De modo geral, houve melhora no desempenho dos policiais em relação ao treino do semestre anterior? Houve melhora durante o treino atual?

O importante, também, é estabelecer o caminho pelo qual o policial precisa passar para atingir o objetivo. Mas como instrutor, é preciso compreender se esse caminho é o mais adequado ao policial. Assim, o teste do plano de aula não pode considerar as habilidades do instrutor, sob pena de estabelecer parâmetros acima da capacidade atual do aluno. E isso tem efeito colateral, pois pode afastar o policial do treino de tiro por causa da frustração.

Entretanto, à medida que as habilidades do policial melhoram, também deve aumentar o nível de exigência para que o aluno se sinta motivado a avançar e vencer.

Portanto, sempre que projetar um treino, mesmo que seja pra você mesmo, observe se as etapas se conectam e se são capazes de pavimentar o caminho até o seu objetivo final.

E quando participar de um curso ou treino observe se aquilo que você alcançou foi o resultado das habilidades que já possuía ou se foi em razão do caminho oferecido pelo instrutor.

terça-feira, 21 de janeiro de 2020

A importância de nunca estar de folga

Dados dos últimos quatro anos demonstraram uma média anual de quase 400 policiais mortos no Brasil.

Destes casos, 75% dos policiais não estavam trabalhando (folga), representando 300 colegas assassinados anualmente.

Mas se o policial é mais ativo e proativo durante o trabalho, qual a razão para a maior quantidade de policiais mortos fora do serviço?

Com tanto trabalho policial sendo realizado, em que pesem as dificuldades impostas diariamente, era de se imaginar menos policiais mortos de folga.

Durante a atividade, o policial se dirige rumo ao problema como um predador (é o que se espera). De folga, ele está encoberto pelo anonimato e distante da ocorrência. E aqui eu encontro a primeira resposta. No primeiro caso, o policial é quem toma a iniciativa na maioria dos casos (ele é o caçador). Já no segundo caso, esse espírito parece esmaecer. Por quê?

Assim como eu, talvez você já tenha alguma ideia enquanto lê este texto.

Mas antes de fornecer outras respostas, eu convido você para algo novo. Ao deixar o uniforme ou o distintivo de lado (em casa ou no trabalho), pergunte a si mesmo:

1.      Eu sei os lugares que não devo frequentar?
2.      Eu estou reavaliando meu comportamento com frequência?
3.      Consigo passar despercebido aos olhos do criminoso?
4.      Eu realmente já distingui as situações nas quais irei agir daquelas que não devo atuar?
5.      Apesar da folga, ao menos guardo o estado de alerta e prontidão?
6.      Eu tenho treinado com a arma que porto?
7.      Ainda que eu não tenha munição, realizo o treino a seco?
8.      Tenho como me identificar como policial pra um colega à paisana ou guarnição?
9.      Tenho como imobilizar a pessoa contra quem usei a força?
10.  Tenho como me comunicar com a polícia ou o SAMU?
11.  Tenho o que é necessário pra recarregar minha arma?
12.  Tenho o que é preciso pra interromper um sangramento?
13.  Tenho condição de resistir com força e por mais tempo em razão do meu preparo físico?
14.  Meus colegas de trabalho pensam que sou doido ou exagerado?


Qual foi sua resposta?

Portanto, se você respondeu SIM, está no caminho dos sobreviventes. Se você respondeu NÃO a qualquer pergunta, peço que reflita sobre sua mentalidade e seu estado de espírito, pois eles refletem no seu comportamento e nas suas ações.

Mas faça isso em casa, pois na rua você pode ser atacado em qualquer lugar e a qualquer hora. A folga é apenas um estado laboral, mas nunca um estado mental ou de espírito.

Finalmente, convide um colega para responder esse questionário. Assim você também pode ajudá-lo a melhorar.

quarta-feira, 15 de janeiro de 2020

Speed Rock (parte 1)

O Speed Rock, conhecido no Brasil como tiro de entrevista, é um técnica antiga.

Se você observar com atenção verá que ela se parece (não é igual) com a forma como os cowboys duelavam nos filmes de faroeste. O que nos leva ao FBI Crouch, Applegate stance.

O nome revela a essência do seu funcionamento: você saca, gira ("rock") a arma enquanto inclina ("rock") o corpo pra trás e dispara com ela na lateral do quadril, tudo bem rápido (speed).

Já o nome Tiro de Entrevista remete à proximidade entre o policial e o suspeito: a distância de uma conversa.

Apesar de antiga, o estilo se popularizou recentemente nas redes sociais e em muitos cursos. Quando surgiu, o objetivo era criar uma solução pro uso da arma ostensiva numa condição de curtíssima distância (até um braço).

Conheci a técnica em 2005 e, desde então, a pratiquei e inclui nos treinos.

Acontece que com o tempo, a observação, o aprendizado e a autocrítica, percebi que o procedimento é tecnicamente fraco.

Como diz amigo: "É uma técnica específica pra uma situação específica."

Isso não quer dizer que o Speed Rock é uma aberração a ser erradicada, mas é algo que pode ser usado como último recurso, quando o policial não tem mais pra onde ir numa situação de contato físico.

Simplesmente dar um "dedada" no rosto do alvo e aplicar o Speed Rock é uma simplificação da técnica, que não leva em consideração os problemas das ocorrências de curtíssimas distâncias (fundamentos do tiro e do combate corpo a corpo).

Como eu disse, precisamos maximizar nossas habilidades, por isso toda técnica precisa ser treinada. Umas mais outras menos.

Saiba o porquê das coisas e pergunte ao instrutor ou vice-versa. Não se iluda com o "timer" e o tempo que o instrutor leva pra completar a técnica. Quando a ameaça está colada em você, o tempo pode ter relevância menor que a dissimulação, a obediência estratégica e a paciência.

segunda-feira, 13 de janeiro de 2020

Armados na igreja

Hoje recebi uma mensagem, via Facebook, aonde o comentarista narrou um fato envolvendo armas de fogo.

Era a história dum comerciante alvo de um roubo. Três ladrões armados abordaram o homem e sua esposa enquanto ele estacionava o carro em frente a porta de casa.

Como a vítima estava armada, ela reagiu e matou um dos ladrões. Contudo, o comerciante foi baleado e morreu no hospital.

O comentarista foi educado e usou a história pra fundamentar a compreensão de que as pessoas não deveriam portar armas. Com propriedade, também disse que não era aceitável trocar uma vida por um objeto.

Seria "lugar comum" dizer "armas não matam pessoas; pessoas matam pessoas". E apesar de ser armamentista, acredito que uma arma pode ser uma salvação ou uma maldição. A razão não cabe explicar aqui!

Só que agora recebi um vídeo que mostra um assassino ativo em ação numa igreja no Texas/EUA (se eu disser o termo correto ainda em uso - atirador ativo - vou ouvir muito chororô).

A ação criminosa só não foi mais trágica porque um ou dois frequentadores da igreja reagiu e incapacitou o agressor.

Peço que você observe o canto superior das imagens. O criminoso atirar num homem que se levanta e parece sacar uma arma. Depois ele atira no homem mais próximo. De repente um senhor (no canto superior esquerdo do vídeo) saca uma arma e dispara com precisão. Ele acerta o alvo, que cai imediatamente.

Ou foi isso ou o assassino se matou (no terceiro disparo). De qualquer forma, muitas pessoas surgem armadas e caminham em direção ao assassino caído.

Portanto, é certo afirmar que a presença de bons cidadãos armados fez toda a diferença no desfecho da ocorrência, pois centenas de vidas foram poupadas.

Uma espingarda empunhada por um criminoso tirou duas vidas. Mas uma pistola empunhada por um cidadão salvou centenas.

Cuidado com a linha de tiro.

A decisão de atirar, ou seja, a forma como o policial processa as interrogações que vem à tona no instante do perigo variam de pessoa pra pessoa.

Alguns podem experimentar um "vazio" cognitivo e outros podem seguir um check list detalhado antes do gatilho ser pressionado.

E um mesmo indivíduo pode variar a conduta dependendo da situação. E todas as circunstâncias guardam suas diferenças, apesar de pontos em comum.

Por isso, confrontos armados, especialmente com policiais fora de serviço, tendem pras ciências humanas mais do que pras exatas.

Isso significa que os policiais pode encontrar várias soluções pro mesmo problema. E se o objetivo foi alcançado, é certo afirmar que a solução foi a mais adequada.

Mas na imagem que ilustra este post, chama minha atenção a preocupação que todo policial deve ter com a linha de tiro. É importante entender que trato apenas da LINHA DE TIRO.

Se as regras de segurança valem num treino, devem valer na vida real ainda mais.

Apesar da chance dum efeito colateral em ocorrências repentinas a curta distância, o esforço pra minimizar esse dano deve persistir na ação policial.

Do que adiantam os mantras da segurança e conduta com armas de fogo, se no momento real atiramos com inocentes e colegas na nossa linha de tiro. Alguns podem alegar o estresse, o que é plausível!

Quanto aos policiais que atendem a mesma ocorrência, cabe a responsabilidade profissional de não entrar na linha de tiro do colega e não colocar o outro na própria linha de tiro. Todos devem se situar no ambiente pra evitar o FOGO AMIGO.

Os cidadãos, por outro lado, não possuem tamanha compreensão. Por isso, a responsabilidade por sua segurança é do policial, em grande parte, apesar da chance de um dano colateral. Ciências humanas...lembra?!

Quando ocorre um disparo, o projétil só para quando atinge alguém ou alguma coisa.

E quando você reage e um tiroteio começa, linhas de tiro se cruzam. Pode ser que elas apontem pra um inocente desconhecido ou alguém que você ama.

Então, faça um esforço pra manter sua linha de tiro apenas no alvo. Posicione-se pra que a linha de tiro do ladrão não aponte pra outras pessoas. Faça isso apesar da visão em túnel.

A vida sobre as coisas (parte 2).

Continuação do post anterior...

Se você acredita que pode vencer, precisa vencer. Quando você saca uma arma é uma decisão sem volta.

E você precisa vencer, não por causa da vontade de prender o ladrão ou recuperar as coisas da vítima, mas por causa do amor pela própria vida e de sua família. Por causa dos seus planos e sonhos.

Então você tem que vencer. Portanto, lembre-se:

1) Nem sempre a primeira resposta é a sua arma.
2) Se for, reaja à distância.
3) Se for a curta distância, afaste-se em seguida.
4) Não se aproxime da área de perigo, aquela dominada pelo ladrão (mesmo se ele estiver caído).
5) Não pise no bandido, mesmo se ele estiver ferido. Não ajoelhe sobre ele, não se assente sobre ele.
6) Longe é bom, perto é ruim. A distância favorece o policial treinado. A proximidade favorece o amador. Acredite e treine!
7) Busque proteção (barricada) antes ou depois, mas busque proteção. Sem proteção, mantenha distância.
8) Se o ladrão atirou e você recuou e se protegeu, não entre na linha de tiro de novo.
9) Fatiamento não é apenas pra operações especiais ou ambientes confinados. Você pode fatiar o local atrás de um poste, uma árvore, um carro, um muro, uma beira de porta de loja, uma esquina.
10) Só porque você perdeu contato visual não significa que o criminoso deixou o local.

Finalmente, cabe uma reflexão:

Será que acreditamos que podemos vencer sempre e por isso reagimos sempre ou vice-versa?

A possibilidade de perder pode frear o ímpeto policial?

A chance de ganhar pode fazer com que ele assuma riscos adicionais?

É a ideia da mentalidade de combate, se sobrepondo a de sobrevivência, que força o policial a reagir se jogando (precipitando) na ocorrência?

E peço que você avalie seu comportamento pra que não tenhamos que enterrar colegas todos os dias.

A lição de Dennis Tueller

A lição de Dennis Tueller, o policial que tratou da Regra dos 7 metros (1983) é inquestionável. Quando você reconhece um suspeito com uma faca perto o suficiente pra alcançá-lo, fique atento, procure proteção, saque a arma, coloque coisas no caminho, verbalize e ganhe tempo. Melhor é manter a arma fora do coldre.

Tueller disse que mesmo tiros perfeitos podem não barrar o ataque (momentum). Ele afirmou que, apesar do esforço do policial, a arma pode ser necessária pra impedir ataques repentinos e próximos.

O ponto central é a compreensão de que uma pessoa, com o caminho livre, pode correr 7m em 1,5s. E ao decidir reagir à ameaça letal, o tempo necessário pra sacar a arma e disparar 2 tiros precisos é de 1,5s, pro policial bem treinado. Esse é o tempo que ele terá pra responder ao ataque letal. Então, o autor sugeriu o treino constante pra um saque correto e rápido.

Uma análise imparcial não resulta na ideia de que o policial está a salvo se o suspeito estiver além dessa distância ou que ele tem que atirar em tudo que está dentro dos 7m. O fundamental é o ataque, o perigo real ou iminente e a compreensão de que a ameaça aumenta se você demora pra reagir após a investida.

Não existem atalhos pra entender a decisão e o uso da força letal. Isso requer a compreensão das táticas, dos seres humanos e do fator tempo (indicador de risco, atenção, percepção e decisão, velocidade do ataque, precisão e eficácia da arma, tempo de ação/reação, efeito da localização do equipamento, medo e estresse emocional).

*Existem outros testes que corroboram os achados de Dennis Tueller e que indicam outros dados piores e melhores pra policiais e agressores.

Offset

Quando você alinha o aparelho de pontaria com o alvo, essa linha imaginária está acima do cano. E a distância entre essa linha e o eixo do cano é chamada de "offset".

O offset varia de arma pra arma, e tem importância se não for corretamente manejada, inclusive com pistolas.

Fuzis exibem diferenças maiores entre o ponto visado e o ponto de impacto a curtas distâncias, já que possuem um offset maior, ainda mais com os aparelhos óticos.

E se você quer acertar aonde deseja a curta distância, será preciso compensar o offset. Contudo, isso não é necessário no tiro de combate.

Mas atirar com a arma próximo a uma barricada (proteção), compensando o offset é crucial, tanto no tiro esportivo quando no de combate.

Um documentário sobre atiradores de precisão mostrou um caso aonde o policial, com um fuzil, se posicionou do outro lado da rua e se escondeu atrás dum muro baixo. No outro lado da rua e a 20m de distância, um criminoso com uma faca mantinha uma refém. O policial fez a visada correta e disparou, mas o projétil atingiu o muro que estava na frente. Assim que percebeu o erro, o policial compensou o offset, apenas livrando o cano do muro, e acertou o segundo tiro.

Não é incomum encontrar evidências de falhas na compensação do offset. São bombonas plásticas e barricadas VTAC (9 buracos) cheias de furos e rasgos provocados por disparos não compensados.

Na maioria das vezes isso ocorre quando o atirador utiliza essas ferramentas em treinos de tiro barricado inclinando o corpo e a arma pra fora da proteção ou fazendo a visada sobre um obstáculo. E sem a lembrança do offset, a linha de visada está clara e no alvo, mas a linha do cano ainda está obstruída.

Como isso possui implicações na vida do policial (no treino e no trabalho), é essencial compreender a questão. Se você apenas se LEMBRAR que existe uma distância entre a sua visada (por onde você vê) e o eixo do cano (por onde a arma enxerga), o problema está praticamente resolvido.