terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Eu vou atirar na perna dele!

Discute-se bastante no meio policial sobre o uso da força letal na autodefesa, mas uma ideia surge quase universalmente. É o conceito chamado Síndrome do Tiro na Perna. Essa síndrome é expressa pelas opiniões do tipo: “Eu não vou atirar para matar, mas vou mirar na perna do bandido!”. “Precisava matar com três tiros no peito? Por que não atiraram na perna?”*.

Eu acredito que tais pensamentos tenham origem na boa índole das pessoas que possuem armas de fogo para a defesa pessoal, contudo jamais imaginaram com seria um tiroteio real com um criminoso violento, nem o que elas fariam se tivessem que atirar em alguém. Essas boas pessoas não saem por aí roubando, sequestrando ou matando as outras, elas nem mesmo pensam ou querem fazer algo parecido. Outra origem é a crença equivocada daquelas pessoas que sequer estão presentes quando a violência ocorre, mas que não deixam de emitir um “parecer” baseado em considerações pessoais baseadas em filmes de ação, e não nas circunstâncias que envolvem o horror de um confronto armado real.

Assim, o que acontece é que aquele criminoso que momentos antes apontava uma arma engatilhada para uma pessoa honesta, agora que está morto é transformado – num passe de mágica – em vítima por aqueles que acreditam que o policial deveria ter atirado na perna. Os papéis se invertem: o bandido vira mocinho, e o policial vira executor.

Existem muitas razões para o porquê desse “conceito” não ser plausível no campo da autodefesa. Algumas dessas razões são jurídicas, algumas são táticas e outras são morais.

Uma arma de fogo é um instrumento letal por natureza. Diferente de uma bomba de efeito moral, um spray de pimenta, uma tonfa ou um taser, não existe um modo “menos letal” de usar uma arma de fogo contra outro ser humano. A lei não faz distinção entre um tiro na cabeça ou um tiro no peito de uma pessoa. Se a ação do suspeito colocar você sob risco de grave ferimento físico ou morte, o uso da sua arma para repelir essa agressão e preservar sua vida é um motivo legalmente justificável (apesar de ser ainda um homicídio).

Além disso, o projétil não pode ser trazido de volta uma vez que tenha deixado o cano da arma, e o que ele faz ao penetrar o corpo de uma pessoa não pode ser determinado pelo policial. Existem grandes vasos sanguíneos nas pernas, nos quadris e nos ombros de um ser humano, que uma vez atingidos podem matar alguém tão rapidamente quanto um tiro no coração.

Além do mais, manusear taticamente uma arma sob condições de estresse extremo é muito difícil, pois não há tempo para sequer raciocinar, muito menos para mirar. Pergunte a si mesmo: é possível determinar perfeitamente se você está ou não amparado pelo instituto da legítima defesa, e fazer pontaria com precisão durante uma situação de vida ou morte que não leva poucos segundos para começar e terminar?

Informações sobre confrontos armados indicam que um policial acerta um em cada seis tiros disparados contra o alvo. Isso produz cerca de 17% de aproveitamento, e se já parece ruim, espere até você analisar outro dado que demonstra que aproximadamente 50% dos tiroteios ocorrem em distâncias de até 1,70 m entre o policial e o suspeito. Outros 20% ocorrem em distâncias entre 2 e 3,40 metros. Agora, um homem com uma faca – e com o caminho livre – é capaz de correr 5 m em apenas 1.28 segundo. Assim, não importa quantos disparos sejam feitos, você vai errar a maioria deles, mesmo à queima roupa. Então, quão realista seria se muitas das pessoas que tiveram a sorte de acertar o criminoso em ação tivessem que calmamente mirar e disparar contra uma das menores partes do corpo? E se essa área ainda tivesse grande chance de estar em movimento?

A prática nas academias de polícia ensina os alunos a realizarem dois tiros no centro do alvo a 7 metros de distância e em 2 segundos. Só para constar, um homem é capaz de percorrer 8 metros com uma faca para atacar um policial em 1.79 segundo. Então, quanto tempo sobraria para a visada perfeita na perna, no braço ou no ombro? Nenhum.

De qualquer maneira, a prática nas academias envolve dois conceitos. O primeiro deles refere-se ao centro de massa, significando apontar a arma para que o projétil vá de encontro à área mais ampla do alvo (o tronco) e, obviamente em cujo local as chances de acerto são maiores. O segundo conceito diz respeito à possibilidade de se atingir órgãos internos localizados nesta área e que permitam uma maciça perda de sangue, levando à inconsciência e à incapacitação.

A intenção de incapacitar, em nada tem haver com atirar para matar ou mirar para ferir, pois ambas são irrelevantes, pois sua ação de autodefesa está centralizada na percepção de ameaça grave e na capacidade do criminoso matar ou tentar matar você. Se a simples presença da sua arma detiver a intenção do delinquente, o trabalho está feito! Se apenas um tiro no centro de massa persuadir o atacante a desistir, está ótimo! Contudo, se forem precisos 10 tiros pelo corpo para impedir que um criminoso mate você, então...!

Eu não estou defendendo o uso da força letal como forma de punição para criminosos. O que eu estou dizendo, é que você é uma pessoa sensata, com um inalienável direito à vida e à liberdade e que não se envolve em questões alheias, ou seja, você vive pacificamente. E então, alguém o ataca, tenta feri-lo ou matá-lo sem nenhuma razão a não ser com o interesse de tomar aquilo que é seu. Você não está tentando matá-lo, apenas tentando fazê-lo parar. E isso não é errado, é certo! Você tem o direito de fazer o que for necessário para estar a salvo, voltar para casa e para sua família. Mas se você esperar até conseguir a pontaria perfeita e “não letal”, talvez seja tarde demais para você!

*Pergunta feita por um parente de J.F.S., morto por policiais da ROTA paulista, conforme artigo publicado na FENAPEF em 12/06/2008 denominado “Rota mata rapaz que roubou R$ 11”.


5 comentários:

  1. Caro Humberto, parabéns pela explanação você é um policial que preocupa-se com seu preparo técnico-profissional.

    Gostaria de fazer apenas uma pequena ressalva; o art. 23 do código penal dispõe que não há crime quando o agente pratica o fato em legítima defesa, portanto, se for comprovado que o policial ao feriu mortalmente o agressor agiu em legítima defesa;na nossa modesta opinião, não há que se falar em homicídio.

    Paulo Souza, soldado de polícia militar do Distrito Federal, e cientista da atividade policial de repressão imediata.

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  2. Muito boa esta sua explicação. Isto quase que aconteceu comigo em uma ocorrência em que me deparei sozinho, cercado por cerca de 50 pessoas embriagadas em um revveillon, envolvendo arma de fogo, que consegui apreender. Mas a arma branca que me ameaçou, era um lutador de jiu-jítsu de quase dois metros e uns 110 kgs. Ele veio para cima de mim, pensei em explodir seu joelho com minha .40, mas graças à Deus, a minha postura ameaçadora foi suficiente para que ele recua-sse. Melhor para ambos. O flagrante foi lavrado na delegacia por assalto e porte ilegal, e ele, ainda pode treinatr jiu-jítsu. Ps: NA CADEIA! ainda pode

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  3. Caro Paulo Souza, parceiro, quando o nobre autor diz que matar, ainda que em legítima defesa, é homicídio;ele quis dizer que o fato ainda é típico. portanto, se encaixa na definição do Art. 121 do CP. Abs!

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  4. O problema é a interferencia politica na policia militar principalmente. Quando ocorre um fato assim , vem logo um estrela e fala na tv: - perdemos um pm , ele devia ter atirado e naum atirou... Se o bandido morre o estrela diz : o pom agiu de forma errada e sera punido nos ditames da lei...
    MESMO quando agimos de forma certa e consciente eles sempre buscam uma maneira de culpar-nos so pra dar uma justificativa pra sociedade hipocrita , que reclama da velocodade de uma vtr , mas detesta esperar a mesma chegar na sua casa pra resolver seus problemas

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  5. O que arranha a conduta de alguns policiais,são os marginais que existe na corporação que leva duvida as atitudes corretas dos bons policiais.

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