domingo, 20 de setembro de 2009

Como você opera em ambientes com baixa luminosidade?

A qualidade da visão dos seres humanos muda pouco entre as pessoas com visão normal. No entanto, qualquer diferença para menos pode ser importante se algum suspeito possuir o mesmo treinamento e a mesma perspicácia que você. Por exemplo, se o suspeito possui uma acuidade visual de 20/20 (visão normal) e você uma de 20/29, então isto significa que seu oponente pode ver você a uma distância 14,5% maior do que você pode vê-lo. Esta diferença é considerável se você imaginar o pouco tempo disponível para reagir a uma agressão iminente, quando é desejável perceber a ameaça com antecedência.

Entretanto, o exemplo citado está fundamentado na Escala Optométrica de Snellen, que infelizmente só analisa a quantidade de visão, e não sua qualidade. Esse teste avalia sua capacidade de ver um objeto preto com extremidades regulares sobre um fundo branco, simulando uma condição de dia claro. E como fica o período noturno ou as situações com baixa luminosidade?

Bem, se você considerar que cerca de 80% de toda informação sensorial é percebida pelo sistema visual, então você deve compreender a importância da capacidade de enxergar bem em qualquer situação, principalmente quando há falta de uma iluminação consistente. Assim, o uso de uma boa lanterna é tão importante quanto à própria arma, porque se você não pode ver, também não pode se defender!

Já há certo avanço no treinamento policial brasileiro no qual se emprega algum tempo na utilização de uma ou outra técnica com lanterna em ambiente com baixa luminosidade. Técnicas com lanternas são importantes e precisam ser compreendidas, contudo, existe mais num ambiente mal iluminado do que simplesmente segurar uma lanterna.

O típico treinamento de tiro em ambiente mal iluminado consiste em aguardar o período noturno e alinhar os atiradores numa linha estática diante dos alvos. A seguir, os atiradores sacam as armas e as lanternas, e atiram nos alvos iluminados. Porém, a questão não é só aprender uma técnica de tiro nesta condição, mas saber como usar a lanterna e se comportar taticamente numa situação na qual o tiro só pode ser realizado depois de você encontrar um agressor potencial, o esconderijo onde ele pode estar e os objetos que ele pode usar para atacá-lo. Quer dizer, isso significa mais do simplesmente juntar a arma com uma lanterna para atirar no escuro.

Como nenhum policial é igual a outro e nenhuma técnica de uso de lanterna é a resposta definitiva para todas as situações com iluminação inconsistente, você precisar aprender e treinar diversas técnicas (Harries, Roger, FBI, Chapman, Ayoob, Marine Corps, Hargreave Lite-Touch, Keller, Neck Index, NYPD, Guisande e outras que surgirem) porque uma pode se adaptar melhor que outra à exigência da circunstância. Ao treinar técnicas variadas você também pode perceber qual delas se adapta melhor ao formato da sua mão e qual lanterna se acomoda melhor à técnica treinada.

Além disso, você precisa compreender de modo sucinto os aspectos fisiológicos e psicológicos que pode encontrar durante uma ação num ambiente mal iluminado. Mais uma vez, a compreensão desses fatores permite que você treine técnicas que funcionam em um ambiente particular e perceba suas limitações e vantagens. Estes são fatores que afetam qualquer pessoa que trabalha num local deste tipo.

Então, o que você precisa saber sobre o olho humano é que ele possui uma estrutura interna denominada retina. Ela recebe a luz que entra no olho e a transforma em estímulos elétricos, os quais são enviados ao cérebro por meio do nervo óptico. A retina possui dois tipos de células fotorreceptoras: os cones e os bastonetes. Os cones, no centro da retina, são responsáveis pela nitidez da imagem, pela riqueza de detalhes e pela distinção das cores. Mas na escuridão, os bastonetes, na periferia da retina, assumem o controle e permitem que você perceba tons de cinza, movimento e imagens com ângulos abrangentes, porém pouco detalhadas. Cones e bastonetes funcionam conjuntamente em todos os níveis de iluminação, mas cada um trabalha até seu limite possível. Infelizmente, os bastonetes não possuem uma resolução visual tão boa, mas são mais sensíveis à luz que os cones. Por isso, em ambientes com baixa luminosidade, sua visão passa a depender exclusivamente deles.

Nos bastonetes existe uma proteína chamada rodopsina, que é o elemento decisivo para a visão noturna. Quando a luz entra no olho humano e atinge a rodopsina, esta se decompõe em diversos compostos intermediários. Estes compostos produzem impulsos elétricos que são transmitidos ao cérebro e interpretados como luz. Finalmente, a rodopsina precisa se recompor para que o processo volte a ocorrer caso haja nova exposição à luz. Esta recomposição segue uma taxa constante e lenta. Então, quando você é exposto à luz intensa toda a rodopsina se decompõe, e ao apagar a luz e tentar ver novamente no escuro, você simplesmente não consegue. Como não há rodopsina, os bastonetes ficam inutilizados devido à fadiga química até que ocorra a recomposição da proteína entre 10 a 15 segundos.

Num teste empírico, coloquei um objeto sobre uma prateleira a um metro de distância. Depois que escureci totalmente o ambiente, direcionei o feixe de luz de uma lanterna convencional para olhos até sentir um desconforto. Desliguei a lanterna, e imediatamente cronometrei o tempo necessário para que, no escuro, eu pudesse perceber o contorno daquele objeto sobre a prateleira. Tempo: 19 segundos. Agora, imagine isso sendo feito com uma lanterna tática de 240 lúmens.

Assim, outro objetivo da lanterna é provocar essa fadiga química por meio do ofuscamento da visão para causar distrações (desatenção, descuido), perturbações (desordem, confusão) e cegueira momentânea. Como a adaptação completa da visão às mudanças de luminosidade é um processo gradual que começa a partir do pôr-do-sol e leva aproximadamente 30 minutos, qualquer exposição à luz intensa, mesmo por dois segundos, força o reinício de todo o processo de adaptação.

O inverso segue a mesma dinâmica, ou seja, se você passa imediatamente de um ambiente iluminado para outro escuro, você fica praticamente cego por alguns instantes até que ocorra a adaptação. Você ainda perde a capacidade para estimar distâncias e identificar objetos. Novamente, a lanterna impede que você fique completamente cego devido ao pouco tempo disponível para a adaptação em um ambiente mal iluminado durante uma operação policial; o que é outra vantagem tática.

Além disso, é importante saber que sua visão noturna se deteriora conforme você envelhece, e logo, a quantidade de luz que você precisa em um ambiente mal iluminado é maior com a idade. Isso significa que um criminoso mais jovem enxerga melhor que você nessa situação.

De qualquer forma, é possível afirmar que ninguém enxerga muito bem no escuro. Por isso, seu cérebro tentará preencher as lacunas deixadas por aquilo que seus olhos não conseguem ver. É quando você “enxerga” aquilo que não existe. Isto se torna mais difícil de gerenciar em situações estressantes típicas das operações policiais.

Uma forma de compensar os efeitos das condições de baixa luminosidade é manter a mente focada no objetivo e no seu comportamento durante a ação, mas deixando sua lanterna ligada o suficiente para você identificar o que está vendo antes de assumir o que é ou não uma ameaça letal. De novo, treinos com lanternas não precisam incluir, invariavelmente, o disparo da arma. Aqui, o que você precisa saber é como manobrar sua lanterna (para enxergar melhor) e sua arma (para estar preparado para uma eventualidade) numa situação de busca.

Mas nos treinamentos, os policiais raramente utilizam algum tempo para realizar a identificação do alvo. Eles falham na identificação de um alvo que não pode ser considerado uma ameaça daquele que pode ser. E então, os policiais sempre atiram!

Se você se movimenta, domina o local e identifica o suspeito, então sua lanterna se torna uma opção no uso progressivo da força por causar cegueira momentânea, confusão e receio no suspeito. Um benefício em relação à força letal.

Portanto, imagine que você pode dominar alguém por 10, 15 ou 19 segundos usando apenas a luz da sua lanterna tática, reduzindo a capacidade do indivíduo em vê-lo claramente e estabelecer qualquer tipo de tentativa de ataque ou fuga enquanto você se aproxima.

Temporariamente cego, o suspeito não pode identificar você, determinar se você está sozinho, procurar uma rota de fuga, localizar uma proteção ou uma arma. Então, existe alguma vantagem em colocar um suspeito em uma situação na qual ele precisa de algum tempo para restabelecer a acuidade visual? Claro que sim, e isso é uma vantagem tática diferente de simplesmente atirar com uma arma e uma lanterna.

Se você tem uma lanterna tática de qualidade e sabe como usá-la, você estará em vantagem toda vez que entrar num local mal iluminado. Você saberá o que fazer quando o corredor a ser observado vira para a esquerda ou para a direita; qual técnica deve ser utilizada para uma busca e qual deve ser usada durante o tiro; saberá como se comportar quando outro policial estiver junto com você de modo que o potencial das duas lanternas seja somado para aumentar a vantagem tática, ao invés de um policial iluminar diretamente o outro ou marcar sua silhueta iluminando suas costas; saberá aproveitar a escuridão de modo a ver sem ser visto; saberá quando a luz que entra pela porta ou a própria lanterna está criando uma iluminação indireta no local; saberá como se mover no local e que técnica usar nas várias situações de um mesmo ambiente com baixa luminosidade. Não é preciso dizer que para isso você precisa receber treinamento adequado, ter um equipamento de qualidade e ser confiante para aplicar as técnicas.

Uma das coisas mais importantes que você pode fazer para melhorar sua sobrevivência no trabalho policial é compreender como operar em um ambiente com baixa luminosidade. Você pode ter a lanterna, mas ainda precisa do conhecimento para controlar o ambiente. Você precisa desenvolver o conhecimento, a ferramenta, as técnicas e táticas comportamentais para dominar a escuridão ao invés de simplesmente atirar com uma arma numa mão e a lanterna na outra.

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Por que você quer viver?

Não existe um policial sequer que não queira voltar para casa são e salvo depois de um dia de trabalho. E não importa se você é policial federal, rodoviário, civil ou militar; se é policial operacional ou administrador, investigador ou corregedor, aviador ou patrulheiro. A verdade é que todos querem vencer qualquer confronto de vida ou morte que possa surgir.

Também é verdade que aqueles que já lutaram pela própria vida não tiveram tempo ao menos para piscar, e o que dizer então sobre a capacidade de reflexão. Mas como todo treinamento deve começar com o desenvolvimento de uma mente orientada para a vitória e para a superação de obstáculos, uma pergunta torna-se fundamental. E a resposta a esta questão jamais pode ser esquecida ao longo da sua jornada contra o crime e a violência.

Você já pensou sobre o que o motiva para continuar a salvo? O quê alimenta sua vontade de viver?

É da natureza do ser humano fugir ao menor sinal de perigo, e ainda assim você escolheu uma profissão na qual se sente compelido a correr em direção aos tiros, apartar brigas alheias em bares durante as madrugadas, abordar pessoas sem saber o que vai encontrar ou trabalhar em custódias sabendo que cada dia de trabalho será ao lado de criminosos profissionais. Apesar das estatísticas precárias, você sabe que pelo menos 490* colegas policiais serão mortos até a metade de cada ano e que você não vai ficar rico fazendo isso. Mas mesmo assim você volta para o trabalho todos os dias na esperança de ser o vencedor de cada conflito.

Nas aulas de sobrevivência policial da academia de polícia, os professores terminam a apresentação dizendo que “Hoje pode ser mais um dia normal na sua vida, ou pode ser o dia em que você será testado sobre tudo o que aprendeu.” Eles não querem que você apenas resista aos encontros mortais. Eles querem que você VENÇA (física, emocional, espiritual e legalmente)! De fato, os professores trabalham muito para conduzir e manter cada futuro policial neste estado mental de vencedor ao longo do curso. Já no primeiro minuto eles mostram uma fotografia dramática de um policial que não venceu e que foi morto em um encontro cruel e sem sentido com criminosos. E então eles prosseguem dizendo: “Prepare-se”.

Mas agora é hora de pensar seriamente no seu próprio motivo para vencer. Você precisa descobrir aquilo que vai lhe deixar mais alerta, mais forte, capaz e orientado para triunfar diante do perigo que ronda sua profissão. Ou seja, o que motiva você quando as coisas saem do controle?

Para o Agente M. A. L. a ideia de não poder presenciar a formatura dos filhos e a lembrança de que seu próprio pai não esteve presente em sua formatura no passado fizeram com que ele reagisse durante um assalto. Ele descarregou sua arma contra dois criminosos que tentavam roubar seu carro e enquanto recebia uma chuva de balas numa luta de vida ou morte. A distância entre eles era de aproximadamente 2,5 m. O policial atingiu três vezes um dos criminosos e conseguiu voltar para casa ileso. (Belo Horizonte/MG).

Já para o Agente G. A. M. estar no banco do motorista enquanto um assaltante armado, também dentro do carro e no assento de trás, apontava uma arma para sua filha de 12 anos era algo inconcebível. Foi esse pensamento combinado com a raiva que ele canalizou como motivação para disparar sua arma e acertar três dos cinco tiros no criminoso que morreu logo depois. No dia seguinte o policial pôde como ele mesmo disse “... beijar minha filha e educá-la para um país melhor, onde o bem vencerá o mal.” (São José do Rio Preto/SP).

Mesmo enquanto estava imóvel e caído dentro de um ônibus, com pouca chance de sobreviver ao tiro à queima roupa que recebeu na nuca depois de reagir a um assalto e matar um dos criminosos, o Delegado E. G. A. tirou forças da sua crença para dizer a si mesmo que sua hora não havia chegado e sair andando do hospital algum tempo após a ocorrência. (Rio de Janeiro/RJ).

Para outro Policial, vítima de sequestro-relâmpago, foi a ameaça de morte feita pelo delinquente que descobriu sua carteira funcional que despertou seu desejo de continuar vivo. Os dois assaltantes foram mortos, mas a última frase de um deles foi “Ele é polícia, vamos levar pra BR e matar”. Certamente ser encontrado morto e jogado num matagal ao longo de uma rodovia não estava no plano do policial. Ele conseguiu acertar todos os cinco tiros disponíveis em seu revólver snub. Talvez ele tenha jurado não morrer de modo tão deprimente. E ele não morreu! (Goiânia/GO).

O Policial G. S. B. F. utilizou sua habilidade de instrutor de tiro para desarmar um homem que apontava um revólver para ele num posto de gasolina. O policial concentrou sua força mental e física a ponto de ver o tambor da arma iniciando seu giro. Ele agarrou a arma, e depois de lutar com o indivíduo, conseguiu tirá-la dele. O policial venceu o confronto porque ele conscientemente treinou para vencer. (Brasília/DF).

E você, já pensou sobre o que o motiva a vencer? O que força você a seguir em frente? Isso é algo que você deve descobrir e treinar mentalmente, e é algo que pode mudar completamente sua carreira policial e sua vida.

A primeira vez que eu achei que ia morrer, eu fui motivado simplesmente pelo egoísmo e pelo orgulho. Eu tinha acabado de comprar uma Glock, a menina dos olhos de qualquer policial na época, e não podia deixar aquele assaltante tomá-la de mim. A arma era minha, e eu precisava ter certeza de que ninguém mais tocaria nela. Além disso, que explicação eu daria aos meus colegas se eu falhasse. Mas isso foi em 1998. Agora eu tenho uma família e são eles que me motivam a vencer, afinal não deve ser bom acordar sabendo que o pai que eles amam não existe mais.

Minha família também é a razão para eu melhorar meu estado de alerta, meus estudos, minha capacidade física, minha confiança e minhas habilidades. Eu preciso vencer os incidentes que encontrar para que a nossa vida siga seu rumo natural.

Então, pense bem sobre o que quer que motive você. Visualize mentalmente uma situação perigosa e hipotética. Lembre-se da sua motivação e treine para que isso faça você melhorar, lutar com todas as forças até o fim e seguir em frente não importando o que aconteça.

Vencer não significa apenas não ser morto, mas também significa vencer o resultado de cada incidente crítico tanto física quanto emocionalmente. Significa saber o que é importante e quem é importante na sua vida.

Se você tem alguma resposta para a frase “Por que você quer viver?”, me diga e comente com seus colegas o que motiva ou motivou sua vitória. Afinal, nesta atividade os policiais aprendem melhor uns com os outros.

*Fonte: Ministério da Justiça. Secretaria Nacional de Segurança Pública. Departamento de Pesquisa, Análise de Informação e Desenvolvimento de Pessoal em Segurança Pública. Pesquisa Perfil Organizacional das Polícias Civis e Militares. 2005. Não contém dados das PC dos Estados de SP, BA, PB, PI, RO e SC. Não contém dados das PM dos Estados de AM, DF, ES, PA, PB, PI e SP.


terça-feira, 9 de junho de 2009

A arma disparou, mas foi sem querer querendo!

Numa reserva de armamento, o policial encarregado vê uma submetralhadora HK MP5 sem o carregador e com o ferrolho aberto. O policial, presumindo que a arma está descarregada, libera a alavanca de manejo (Ei! Você examinou a câmara?), destrava a arma, pressiona o gatilho, e BANG!

Durante uma operação, outro policial entra na viatura, aponta um fuzil HK G36 para o assoalho. Para conferir se a arma está carregada, ele destrava a arma (Epa! Você tem certeza de que vai fazer isso aqui dentro?), aperta o gatilho, e POW!

Em outra reserva de armas, policiais chegam de uma atividade e decidem devolver as pistolas recém compradas pela organização policial. O encarregado recebe cada pistola, pergunta ao usuário se a arma está alimentada, retira o carregador, manobra o ferrolho, aponta para uma direção segura e aperta o gatilho. Como as armas são novas, uma pequena camada de óleo fica impregnada nas mãos do encarregado. Lá pela vigésima arma recebida e com os ferrolhos já escorregando pelas mãos, o policial continua sua rotina: recebe, pergunta, retira, manobra e aperta. BUMM! Um projétil fura uma bancada, uma mesa e se estilhaça no piso. Ops! Eu acho que o ferrolho não foi totalmente à retaguarda!

Num treinamento de tiro, o instrutor faz recomendações sobre a segurança e a conduta no estande. Um policial chega apressado e se une ao grupo para as instruções. Ao se lembrar de que a arma está carregada, ele manobra o ferrolho (Opa! O carregador continua na arma!), aponta para os pés do instrutor e pressiona o gatilho. BAM! Na iminência da lambança, o instrutor se afasta evitando ser atingido pelo projétil que perfura o piso.

BANG, POW, BUMM e BAM são onomatopeias que imitam o som de um disparo de arma de fogo. Infelizmente, os eventos narrados ocorreram de fato e representam algumas das situações que envolveram disparos acidentais. Portanto, um disparo acidental é um evento no qual uma arma de fogo é disparada num momento não esperado pelo usuário.

Com as armas atuais, o disparo acidental mais comum ocorre quando o gatilho é intencionalmente acionado com um propósito diferente de quando se está num tiroteio. E isto ocorre durante os acionamentos em seco, nas inspeções do armamento, nas demonstrações ou testes de funcionamento, mas quando um cartucho está, inadvertidamente, na câmara da arma. Em muitos casos, pode-se dizer que os disparos são acidentais. Mas em outros episódios, os tiros inesperados são pura imprudência. Ou seja, para saber se uma arma está carregada ou não, o policial simplesmente aperta o gatilho. É como se você quisesse testar o airbag batendo violentamente seu carro contra um poste.

Apesar da aparência de que disparos acidentais ocorrem somente com atiradores mal treinados, a existência de uma arma sem o carregador pode sugerir pelo aspecto que ela está descarregada, mesmo que tenha um cartucho na câmara. Esta sugestão perigosa também pode acontecer quando armas carregadas/alimentadas são deixadas displicentemente em qualquer lugar.

Um disparo acidental também pode ocorrer quando o policial coloca o dedo indicador sobre o gatilho antes de ter decido atirar. Com o dedo posicionado desta forma, muitas coisas podem fazer com que o dedo pressione o gatilho de modo não intencional. Por exemplo, se o policial coldrear a arma com o dedo no gatilho, um tiro acidental é bem provável; se ele tropeçar, cair ou se atracar com um suspeito, o instinto de contrair os músculos de uma mão para segurar o suspeito pode provocar um tiro acidental, uma vez que os músculos da mão que empunha a arma também serão contraídos (reflexo intermembros).

As regras básicas de segurança reconhecem estas possibilidades e existem para prevení-las. De todas as regras, o controle do cano e do dedo do gatilho são as mais importantes. Assim, sempre mantenha sua arma apontada para uma direção segura de modo que um disparo acidental não mate alguém (atenção aos ricochetes ou fragmentos de projéteis). Segundo, nunca coloque o dedo no gatilho a menos que você esteja atirando intencionalmente. Mesmo que você esteja diante de um suspeito e talvez precise atirar, manter o dedo fora do gatilho previne que a resposta motora involuntária causada por um susto, uma pancada, um solavanco ou desequilíbrio faça com que seu dedo se contraia disparando um tiro em alguém que já se rendeu – como infelizmente já ocorreu quando um policial bateu com a coronha da pistola no pescoço de um torcedor de futebol.

“Tal morte desnecessária pode deixar você emocionalmente perturbado, financeiramente empobrecido e fisicamente preso!”, é como resume Massad Ayoob, instrutor de tiro e autodefesa.

Portanto, não importa como você chama cada projétil que sai da sua arma sem querer (acidental, involuntário, negligente, imprudente, fortuito ou não intencional), pois o resultado disso pode ser mortal e transformar sua vida num inferno. Assim, aprenda a lidar e treine com as armas da sua organização policial, mesmo que você imagine que jamais precise usá-las. E nunca acredite em alguém que lhe diz que sua arma está descarregada.

quarta-feira, 20 de maio de 2009

Entre atirar ou morrer!

Em 19 de janeiro de 2009, quatro Policiais foram designados para cumprir mandados de prisão e de busca e apreensão na residência de traficantes de drogas numa cidade mineira.

Eram 6 h da manhã quando a equipe chegou ao local e se dividiu em duplas; dois Policiais entraram pela porta principal da casa e os outros dois seguiram por um corredor lateral até os fundos do lote, cercando o lugar. Um muro de concreto pré-moldado dividia a porta principal daquele corredor; por isso, tão logo as duplas se posicionaram para a entrada, elas ficaram definitivamente separadas.

De repente, a dupla que entrou pelo corredor foi surpreendida por dois indivíduos fisicamente poderosos, resistentes, ágeis, autoconfiantes, altamente inteligentes, capazes de tolerar a dor e com vontade de lutar até o fim. Se isso não bastasse, estes indivíduos carregavam uma herança genética herdada de seus ancestrais que atacavam touros, ursos, cavalos e outros cães em eventos medievais denominados Bull Baiting.

A agilidade desses indivíduos é considerada tão grande que eles são capazes de transpor muros e usar os dentes para escalar cercas de proteção. Quando estão nas ruas, eles devem usar focinheiras, enforcadores ou coleiras resistentes, sendo conduzidos com guias curtas e por pessoas com força física suficiente para contê-los no caso de ficarem violentos.

Local do incidente.Então, ao ver os cães da raça Pit Bull “voando” em sua direção, o Policial A pensou em voltar. Mas, ele percebeu que não teria tempo, e que se fizesse isso, o Policial B ficaria sozinho com os dois cães ferozes. Os Policiais iniciaram os disparos contra os cães agressores, e com os estampidos, o Pit Bull A fugiu, mas o Pit Bull B continuou sua investida até ser incapacitado e tombar a aproximadamente 1,5 m dos Policiais.

Quando caiu, o Pit Bull B ainda estava vivo apesar de ter sido atingido duas vezes no tórax e uma vez na cabeça, numa espécie de Mozambique Drill canino. O Policial A havia disparado oito tiros, enquanto o policial B quatro vezes. Portanto, dos 12 disparos somente três acertaram o alvo, gerando um percentual de aproveitamento de 25%. O Policial A percebeu que em dado momento o animal perdeu o controle motor das patas traseiras e tentou alcançar os Policiais usando as patas dianteiras, mas logo depois tombou e parou. Só então, a dupla prosseguiu até o quintal da residência onde rendeu alguns dos alvos da operação.

Um mês depois foi protocolada na Delegacia de Polícia uma requisição de instauração de Inquérito Policial para apurar possível ocorrência do crime de abuso de autoridade praticada pelos dois Policiais. A requisição foi baseada nas declarações prestadas por uma parenta dos traficantes presos e que era a proprietária dos cães agressores. Ela declarou que os Policiais, sem mandado de busca, chegaram portando armas de fogo de grosso calibre, fazendo vários disparos, inclusive matando um dos três cachorros, sendo morto um cão de pequeno porte. Se o requisitante estivesse do lado dos Policiais vivenciando tal experiência, talvez esta requisição jamais existisse.

Então, vejamos! Especialistas informam que a velocidade que um cão pode atingir depende da idade, do condicionamento físico, do gênero (macho ou fêmea), e também da motivação para correr. Cães desenvolvidos para rinhas não costumam defender seus territórios, mas atacam em função da herança genética. Portanto, não é preciso grande motivação para que um Pit Bull corra em sua direção, ainda mais se você estiver na casa dele. Desse modo, a velocidade que um Pit Bull pode atingir gira em torno de 40 a 48 km/h, isso dá cerca de 11 a 13 m/s.

Quando os Policiais perceberam a iminência do ataque, deu-se início à reação de sobrevivência (luta, fuga ou obediência), e devido às alterações fisiológicas e de comportamento cada um percebeu o tempo e a distância de modo particular. O Policial A estimou em aproximadamente 7 m a distância entre ele e os cães. Já o Policial B percebeu uma distância de 15 m. Uma análise no local do incidente revelou uma distância de quase 12 metros.

Imaginando que os cães estivessem correndo a uma velocidade de 12 m/s, e considerando uma distância de 20 metros, quanto tempo eles teriam para reagir até que os animais os alcançassem? Um segundo e sessenta e seis centésimos (1,66 s). Entretanto, um Policial comum com uma pistola, disparando o mais rápido possível, gasta 31 centésimos de segundo para disparar o primeiro tiro depois de ter percebido uma ameaça. Agora, diminua 0,31 s de 1,66 s, e você terá o tempo disponível para salvar sua vida se algum dia você vivenciar uma situação semelhante à enfrentada por estes dois Policiais, ou seja, 1,35 s. Bem otimista, não é mesmo?

Contudo, eles estavam a 15 m dos cães, de acordo com a percepção do Policial B. Assim, o Pit Bull sobrevivente correndo a 12 m/s cobriria estes 15 m em 1,25 s. Um segundo e vinte e cinco centésimos menos 0,31 s, dá 0,94 s. Agora, faça as contas para a distância de 12 m. Resultado: 0,69 s.

O Policial A atirou o mais rápido que pode com sua pistola (8 tiros), o Policial B, também com uma pistola, disparou tentando acertar (4 tiros), e apesar de nenhum deles saber quem acertou o cão, ambos sabem onde foram parar os tiros que erraram o animal (dentro da igreja vizinha dos fundos). Quem sabe, na sua próxima operação policial, você não leve aquela “velha” espingarda calibre 12!

Porém, há outro detalhe neste incidente: a perspectiva visual. Isto significa que um objeto distante parece ser menor do que um objeto mais próximo, mesmo que eles tenham o mesmo tamanho. Criadores de Pit Bulls informam que a altura da raça é de 51 cm (da cernelha ao solo, ou seja, da omoplata e as partes moles que a revestem até o chão), mas não ultrapassa os 58 cm. Então, os Policiais empunhando suas armas com os braços esticados perceberiam (na massa de mira e na posição de pé) a altura do Pit Bull B da seguinte forma: o animal a 15 m de distância pareceria ter 2,2* cm de altura; a 12 m de distância, o cachorro pareceria ter 2,7* cm de altura; a 10 m o cão teria 3,4* cm; e a 7 m ele teria 4,7* cm. Só para constar, outro Policial recomendou atirar de joelhos em situações assim!

Portanto, pense como seria atirar em algo tão pequeno se movendo rápido o suficiente para lhe alcançar em apenas um segundo. Agora, imagine o recuo da arma elevando cada vez mais o cano durante os tiros sequenciais enquanto você tenta mirar/atirar cada vez mais baixo porque o cão está se aproximando. Como seria se você simplesmente esperasse para ser atacado? Como seria ver essa fera saltando sobre você para morder com toda a força seu rosto, sua cabeça ou seu pescoço? Será que seu colega conseguiria se safar para ajudar você? Você conseguiria ajudar seu colega? Será que no meio dessa confusão, os Policiais não atirariam um no outro sem querer na tentativa de acertar o cachorro?

Infelizmente, no trabalho policial você precisa solucionar problemas violentos num piscar de olhos. Se você falhar, isso pode custar a sua vida; se você sobreviver, talvez custe sua paz de espírito, e se depender de algumas pessoas talvez custe algo mais. Portanto, aqueles que não estão presentes quando o pior acontece e não compreendem as dinâmicas e as dificuldades do trabalho policial jamais deveriam avaliar ou julgar as atitudes legítimas de autodefesa policial que ocorrem numa fração de segundo. E quando você deixar a delegacia para cumprir mandados na residência de alguém, vá preparado e sempre acredite naquela placa que diz “CÃO BRAVO”!

*Medidas aproximadas.

quarta-feira, 6 de maio de 2009

Uma escovadela aqui e um tiro ali!

As armas de fogo são objetos fascinantes. No mundo inteiro, os fabricantes de armas mantêm laboratórios de pesquisa nos quais engenheiros habilidosos aplicam conhecimentos de química, física, matemática, biologia, metalurgia, dentre outras áreas da ciência humana para desenvolver e fabricar seus produtos.

O resultado disso tudo, geralmente, é tão bom que não existe no mundo um exército ou organização policial que não use armas de fogo na defesa do seu território e na proteção da sociedade. Imagine você que até criminosos e terroristas fazem uso delas também!

Por isso, os fabricantes de armas sabem que quando seus clientes apertarem o gatilho, pessoas serão feridas ou mortas. E como não produzem armas para criminosos, essas empresas esperam que você sobreviva ao confronto de vida ou morte que venha a encontrar ao longo da carreira. Assim, essas fábricas projetam, produzem, testam, embalam e entregam a sua arma com certificado de garantia, manual e carregadores avulsos numa maleta acolchoada. E surpresa, as melhores marcas também entregam uma escovinha para limpeza do cano.

Mas, e daí? Bem, e daí que você recebe a arma, municia, põe na cintura e esquece! Quer dizer, sua arma fica no coldre por semanas a fio. “E daí?” E daí que com o passar dos dias sua arma vai sendo contaminada pela poeira e pelas fibras da sua roupa.

Dessa maneira, e com o tempo, essa sujeira pode impedir o funcionamento do armamento, porque ao entrarem na arma, os fiapos de roupa se acumulam na câmara do cano, e o ferrolho não consegue inserir correta ou completamente o cartucho nessa câmara, o que impede o disparo. Este tipo de incidente é chamado de “alimentação incompleta”, e apesar dessa pane ter um nome, infelizmente não tem solução imediata – a não ser que você limpe a arma.

Pode até ser que você consiga realizar alguns disparos, mas eu garanto que cedo ou tarde sua arma irá falhar, quer você acredite ou não. Então, reze para que não seja enquanto você tenta realizar o primeiro tiro.

Para ilustrar o problema, conto o caso de um Policial que realizou 274 tiros em 6 horas de treinamento. Ao longo do treino, esse Policial foi surpreendido sete vezes pelo mesmo tipo de pane, ou seja, alimentação incompleta. Intrigado com a ocorrência que acometeu um dos melhores atiradores da delegacia, pedi que ele desmontasse a pistola. Ao verificar o cano, percebi um grande acúmulo de sujeira e fibras têxteis. Incrivelmente, esse Policial havia treinado com a mesma arma 15 dias antes e sem qualquer problema. Portanto, este foi o tempo necessário para um instrumento sofisticado de autodefesa – desenvolvido para salvar a vida do Policial – se transformar numa peça inconfiável. Mas isso não foi por falha da arma, foi por culpa do Policial!
Alimentação incompleta.

Então, vale a pena relembrar que a Lei de Murphy é uma constante no trabalho policial. E com tantas variáveis que podem dar errado numa troca de tiros, você não pode criar mais uma oportunidade para o fracasso, se permitindo sair de casa sem ter feito algo tão simples e rápido como limpar sua arma. Você não precisa se sentir obrigado a limpar seu armamento todos os dias a ponto dessa tarefa se tornar um fardo, mas você deve se responsabilizar pela manutenção da arma que usa pelo menos quinzenalmente, dependendo do clima da cidade, da forma como porta sua arma e do uso que tenha feito dela.

Limpar sua arma tem outra vantagem: permite que você se mantenha atualizado com as peças e o funcionamento do único instrumento de trabalho que torna sua profissão distinta de todas as outras. E é sempre bom saber como essas coisas funcionam!

Se sua arma falhar devido à sujeira durante um treinamento, vá lá! Basta limpá-la e voltar ao treino. Mas, se isso ocorrer no início ou no meio de um confronto real, você pode dizer adeus!

quinta-feira, 23 de abril de 2009

Quanto vale a sua vida? Pergunte a quem te ama!

Recentemente, um policial me perguntou qual é a melhor maneira para se portar uma arma de fogo quando se está à paisana: se na pochete ou a tiracolo.

Bem, isso depende de quanto dinheiro você está disposto a investir.

Se você possui um plano de assistência funerária, sua família não terá nenhuma despesa com seu enterro, pois você já pagou a despesa antecipadamente, que, diga-se de passagem, pode variar de R$ 1.450,00 (plano simples) a R$ 17.280,00 (plano luxuoso).

Porém, sem um plano funeral os custos ainda podem ser altos. Um funeral simples pode ser feito por apenas R$ 300,00. Mas, se seus familiares desejarem algo melhor pra você, os gastos podem chegar a R$ 7.480,00. Nos dois casos estão incluídos a remoção, a limpeza e tamponamento do seu corpo; o caixão, flores, véu, velas, castiçais e a coroa. O que muda é o tipo de material usado, podendo ser o mais simples ou o mais aprimorado e moderno.

Para realizar o velório numa capela de um cemitério, sua família precisa pagar uma taxa de R$ 50,00. Se você já possui um túmulo, “ótimo”! Entretanto, para comprar o jazigo, talvez alguém tenha que gastar R$ 600,00 por um jazigo simples ou R$ 1.500,00 por um duplo. A maioria das pessoas provavelmente escolhe comprar o jazigo simples.

O mármore ou granito que revestirá seu túmulo pode custar de R$ 1.700,00 a R$ 4.000,00, dependendo do tipo de material e o modelo da lápide. E ainda tem o padre e a missa de sétimo dia...

Então, serão utilizados ao menos R$ 2.650,00 no seu enterro, considerando R$ 300,00 pelo funeral simples, R$ 50,00 pela capela, R$ 600,00 pelo jazigo simples e R$ 1.700,00 pela lápide simples.

Agora, do mesmo modo que seus familiares podem escolher entre um funeral simples ou aprimorado, você também pode escolher um coldre molambento, uma pochete “saque rápido” ou pode comprar um coldre importado de polímero por R$ 99,00 e um porta-carregador duplo também por R$ 99,00. No total, isso vai lhe custar R$ 198,00, quer dizer, bem mais barato que seu enterro. E não adianta comparar com o seu salário, pois ainda assim é mais barato!

Armas não combinam com pochetes ou bolsas a tiracolo. E o motivo é simples: se você for pego de surpresa, o que você acha que o assaltante vai tomar de você primeiro? Ele vai tomar sua bolsa, sua pochete, e depois as outras coisas. Então, num piscar de olhos você vai perder a única ferramenta capaz de te dar alguma chance para salvar sua vida.

E o pior, se o criminoso for um assassino nato, e se ele perceber que sua pochete ou bolsa está mais pesada do que o normal, talvez ele a abra. Se ele fizer isso, talvez atire em você simplesmente porque encontrou sua arma, mesmo que você já esteja rezando e implorando por sua vida.

Arma de fogo deve ser portada num coldre de qualidade e na cintura. O investimento parece caro, cerca de R$ 200,00, para um bom coldre de polímero. Contudo, ainda é mais barato que sua arma, muito mais barato que seu funeral, e sem comparação com a falta que você vai fazer para sua família.

Mas o que você precisa fazer para portar uma arma no coldre sem que pareça estar armado? Comprar camisas mais largas ainda, experimentá-las no vestiário da loja com a arma no coldre e na cintura. Simples assim!

Lembre-se, você não está num desfile de moda. Você está na polícia!

domingo, 5 de abril de 2009

Sua rotina pode ser mortal!

Imagine que você participou de um treinamento de autodefesa policial que incluiu estatísticas sobre policiais mortos, histórias terríveis sobre violência, e talvez um ou dois assassinatos gravados por circuitos de TV.

Você terminou o curso impressionado com o potencial de ser a próxima vítima do crime e da violência mesmo sendo um policial. Então, você fica alerta, consciente, observa as redondezas, sendo mais cauteloso sobre pessoas que considera potencialmente suspeitas. Mas, quantos dias você acha que isso vai durar?

Com o tempo, a ausência de consequências perigosas reais faz você relaxar. E apesar de você estar interessado na sua segurança e possuir o conhecimento do que deve ser feito, você não consegue agir adequadamente. Suas habilidades de sobrevivência, seu estado de alerta logo começam a desaparecer. Por quê?

Porque o cérebro está orientado para automatizar comportamentos repetitivos, pois é a maneira como os seres vivos trabalham. Muito do comportamento humano diário é automatizado, e isso acontece sem você perceber.

Psicólogos estimam que mais de 90% desse comportamento humano diário ocorre sem consciência ou pensamento deliberado. Atividades repetitivas tornam-se ações automáticas para liberar sua atenção para coisas que são novas, desconhecidas ou ameaçadoras. Se não fosse dessa maneira sua mente ficaria sobrecarregada e seria sobrepujada com a mais simples das tarefas.

Assim, pessoas expostas periodicamente a lugares altos reduzem seu medo de altura. Pessoas com dificuldade de falar em público sentem-se mais confiantes em frente desse público depois de exposições habituais. Do mesmo modo, pessoas que são rotineiramente expostas a situações potencialmente perigosas tornam-se menos cuidadosas em tais situações. Isso se chama habituação.

É bem verdade que o hábito ou a rotina facilita e põe ordem no seu trabalho e na sua vida, pois é sua experiência acumulada ao longo do tempo trabalhando para você de modo automático. Contudo, exposições habituais a determinadas ocorrências, mesmo que perigosas, entediam seu mecanismo de autodefesa. Então, a rotina trabalha contra você quando se é exposto muitas vezes a situações potencialmente arriscadas onde nada acontece, e depois de uns 10 anos, ela mata um número considerável de policiais.

De acordo com os relatórios anuais do FBI sobre policiais mortos e agredidos, o tempo médio de serviço dos policiais mortos nos Estados Unidos é de 10 anos, e a média de idade desses policiais é de 36 anos. Nem um “novinho”, nem um “antigão”, mas alguém no meio da carreira, se você considerar que um policial brasileiro precisa ter 20 anos de serviço estritamente policial para se aposentar.

“Nada é rotina!”, “Evite a rotina!” e “Os maiores inimigos do policial são: a rotina e o excesso de confiança!” são algumas das frases que nós, instrutores, repetimos desde que começamos a falar sobre sobrevivência policial. Mas, você já deve estar cansado de ouvir isso!

A realidade é que barreiras policiais, buscas e apreensões, prisões, entrega de intimações, entrevistas e interrogatórios, condução de presos e outras ocorrências onde nada acontece são, de fato, rotina. Você pode chamá-las do que quiser como “baixo risco”, “alto risco”, mas o nome não altera as mudanças inconscientes que ocorrem dentro da sua mente quando você realiza tarefas sem consequências centenas de vezes ao longo dos anos.

O fato é que palavras ou frases não protegem nem matam policiais. Mas, o que você precisa perceber é que atividades diárias realizadas repetidas vezes, ano após ano, tornam o risco inerente cada vez mais invisível, e quando isso acontece você tende a fazer uma de duas coisas: se torna complacente com os perigos dessas atividades ou aumenta sua exposição ao risco para satisfazer sua necessidade natural de emoção. As duas coisas caminham lado a lado e se complementam. Não é por acaso que a complacência e o comportamento de risco estão diretamente ligados a um grande número de policiais mortos não só por criminosos, mas também por acidentes.

Você também precisa entender que enquanto abordagens de modo geral tendem a ser a atividade mais comum, qualquer coisa pode se tornar rotina se feita muitas e muitas vezes sem que algo ocorra para estimular sua percepção de que qualquer operação é um evento desconhecido cheio de riscos e imprevistos.

Talvez você não acredite, mas o perigo, o risco e a incerteza são alguns componentes que tornam o trabalho policial atraente para muitos policiais ou pelo menos para os policiais natos. Por isso, eles têm não só certa tolerância ao perigo, mas uma verdadeira necessidade dele. Não é incomum esse tipo de policial se sentir desestimulado e “sem rumo” ao ser designado para atividades administrativas ou consideradas sem importância.

É fato que alguns policiais ajustam seu comportamento para manter a exposição ao risco no nível que precisam. Eu chamaria isso de regulador fatal.

Deste modo, se a rotina torna o risco existente na atividade policial invisível, você irá inevitavelmente assumir riscos adicionais. E isso acontece quando você não espera o reforço, avança um sinal vermelho sem diminuir a velocidade, entrega sozinho uma intimação, vai só ao encontro com um informante, algema o preso para frente ou não algema, dorme dentro da viatura, confia na denúncia anônima, etc. Mas a verdade é simples: quanto maior o risco assumido, maior a chance de você morrer.

Não estou dizendo que policiais querem ser mortos, mas eles procuram estar presentes em uma variedade de situações arriscadas ou não se sentem policiais. Afinal de contas, eles correm em direção ao perigo, e não ao lado da multidão em pânico.

O mesmo tende a ocorrer com a complacência. Nada melhora suas habilidades de sobrevivência quanto ter um criminoso tentando ferí-lo ou matá-lo. O problema com este tipo de “motivação” é que você se arrisca a ser ferido gravemente ou morto no mundo real. E essa não é uma espécie de motivação que faça qualquer sentido.

Portanto, é hora das organizações policiais introduzirem gradualmente treinamentos que previnam a complacência e o comportamento de risco independentemente do tempo de serviço dos policiais. Pois é tarefa de cada policial se preparar para estar no auge da capacidade de sobrevivência, não importando as vezes que você já atendeu o mesmo tipo de ocorrência, na mesma cidade, no mesmo bairro, no mesmo comércio, procurando pelo mesmo bandido de sempre, no mesmo beco, nestes últimos 10 anos.