sábado, 12 de dezembro de 2020

Tiro com uma mão

 

Com a expansão dos CFTV, tenho visto diversas reações de policiais em confrontos armados. E o que já se sabia de modo intuitivo tem ficado mais evidente.

Falo da reação usando só uma mão, o que contraria o modo ideal de empunhar a arma com a empunhadura dupla.

Pensando nisso, eu me fiz três perguntas: por que muitos policiais reagem apenas com uma mão? Por que não soltam os objetos que estão segurando numa das mãos, mesmo durante o perigo? E se nós realmente fazemos sempre aquilo que treinamos... se isso é uma verdade absoluta.

Penso que é verdade para os grupos de operações especiais, pois parte do trabalho deles é treinar. Eles treinam, planejam, passam o briefing, operam de forma coesa e fazem o debriefing. Ou seja, eles têm cinco momentos de aprendizagem.

Mas isso não é uma verdade para a maioria dos policiais. Nesse caso, é possível que o policial não tenha experimentado atirar com uma mão durante o curso de formação. E os que tiveram a sorte de executar algum exercício, o tenham feito de modo inconsistente.

Então, para responder a primeira pergunta é preciso saber que o instinto se sobrepõe à razão quando o risco de morte é imediato. Ele força o policial a reagir da forma que for possível no pouco tempo que resta: quando ele é pego de surpresa, está próximo do agressor e sem proteção.

A ideia é reagir, ainda que com alguma imperfeição, pois para ser rápido o instinto não pode se dar ao luxo de ser perfeito. Por isso, muitos não conseguem usar as miras ou erram alguns tiros.

Mesmo quando há opção, o instinto vai escolher a ação mais rápida e descartar o que foi treinado, conforme os critérios de tempo, distância, proteção e surpresa.

Isso explica porque o policial reage apenas com uma mão, ainda que atirar com as duas seja melhor e faça parte da formação e do treino.

E por que não largamos os objetos nas situações críticas? Uma das coisas que diferencia a espécie humana é a destreza manual, a habilidade pra segurar e manipular os objetos. E nós usamos muito essa habilidade: nos agarramos quando perdemos o equilíbrio, tentamos pegar algo que está caindo, quase num ato reflexo.

Isso reforça o aprendizado de que as mãos servem para segurar e não para largar as coisas. E como a mente sabe que não é preciso usar as duas mãos para atirar, se você reagir num tempo curto, não vai largar o que está segurando.

A sua mente também vai estar tão focada na reação que é possível que ela ignore o objeto que você está segurando.

Além disso, durante o estresse, há uma perda na habilidade motora e você vai experimentar um declínio na destreza manual, necessária pra realizar várias tarefas ao mesmo tempo, como largar o objeto enquanto saca a arma.

Outro motivo é a coordenação bimanual. Quando o nível de atenção é direcionado para a mão dominante há uma queda de desempenho na execução do movimento da mão oposta. E não podemos esquecer do reflexo intermembros.

Portanto, o que nós, instrutores, podemos fazer? Incorporar essa realidade nos treinos e cursos. O aluno deve atirar com as duas mãos, já que isso é básico. Mas sacar, apresentar e atirar usando apenas uma mão também é fundamental e uma realidade.

Finalmente, há uma fenômeno chamado "momentum operacional". Ele diz que é difícil parar um movimento após ter sido iniciado. Apesar de estar relacionado a alguns aspectos do trabalho policial, em especial ao movimento para o saque e o tiro, o conceito ainda pode ser aplicado no caso do tiro apenas com a mão dominante e ao fato das pessoas não conseguirem largar os objetos que carregam com a mão não dominante.

Portanto, o momentum operacional dificultaria a soltura de um objeto que já está sendo empunhado durante a reação armada.

Então, treinar a soltura de alguma coisa durante o saque da arma pode contrariar o conceito acima e se tornar uma medida inconsistente com as dinâmicas que a realidade tem nos mostrado.

2 comentários:

  1. Muito bom, professor. Estava pensando nisso mesmo outro dia, poderia ser integrado no treino algum tipo de situação onde estivéssemos segurando alvo e tivéssemos que rapidamente sacar a arma e atirar, exatamente para condicionar o policial a fazer a empunhadura correta e largar o que estiver na mão, se for possível.
    E, claro, o tiro com somente uma mão deve ter treinado (inclusive com uma mão de cada vez, pois nem sempre o policial terá a mão de tiro disponível). Por fim, a distração deve ser evitada, ficar com a cara no celular no meio da rua não é algo muito prudente hoje em dia.

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  2. Muito bom esse artigo. Aprendi novos conceitos e técnicas que não tinha pensado ainda.

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