quinta-feira, 26 de março de 2020

Lavando a munição

Ao fazer a exclusão diária de inúmeras mensagens no Whatsapp, decidi abrir um pequeno vídeo.

Quando acabou, fiquei pensando se era uma brincadeira...

O vídeo mostrava uma pessoa ensinando como esterilizar a munição pra evitar um contágio viral.

Com todas as munições num pote, a pessoa encheu o recipiente com água, adicionou detergente e lavou todos os cartuchos. Além de sugerir que o procedimento fosse feito antes e após o trabalho, a pessoa informou que lavar a munição não provocaria dano.

Um amigo costuma dizer a seguinte frase: “Eu não acho nada! Ou eu sei ou estudo pra saber!”

Grosso modo, existem dois componentes num cartucho que não combinam com água, umidade ou qualquer outro contaminante: a espoleta e a pólvora. Dizer isso aqui é “chover no molhado”, aproveitando o trocadilho.

Por mais que o fabricante use artifícios pra dificultar a contaminação da munição, é prudente reconhecer que a água e a umidade podem encontrar uma brecha microscópica pra acessar a espoleta e a pólvora.

Por essa e outras razões, o fabricante sugere que a munição seja trocada a cada 6 meses, caso tenha sido guardada fora da embalagem original. E mesmo numa embalagem original lacrada, a validade é de 10 anos, desde que obedecidos os critérios de temperatura e UMIDADE.

Então o policial recebeu a munição; inseriu no carregador; inseriu um cartucho na câmara; andou pra lá e pra cá; transpirou; manuseou a munição; deixou cair no chão, limpou ou não a arma, etc. Ele fez isso durante meses (ou anos).

Armas foram feitas pra situações de vida ou morte, lançando um projétil no espaço...blá, blá, blá... (você já sabe o conceito). Mas se o projétil não sair da arma, você só está ocupando suas mãos com um pedaço de metal inútil.

E basta que apenas um cartucho falhe pra que o policial fique numa condição pior ainda, considerando a frequência, a duração e a intensidade do treinamento policial.

Arma de fogo, munição, trabalho policial e instrução de tiro profissional são coisas sérias. Porque a vida é coisa séria!

Portanto, limpe a arma, higienize as mãos, mas nunca lave a sua munição.

A fórmula da Amizade

No livro Manual de Persuasão do FBI, o ex-agente Jack Schafer trata da “Fórmula da Amizade”.

Nela há quatro itens: proximidade, frequência, duração e intensidade.

Proximidade é a distância entre você e a outra pessoa. Frequência é o número de vezes que você mantém contato com a pessoa. Duração é a quantidade de tempo desse contato. Intensidade é a força com a qual você satisfaz as necessidades dessa pessoa.

Pensando nisso, imaginei se a fórmula serviria para o treino de tiro (ou qualquer outro).

FREQUÊNCIA é a quantidade de contatos com a sua arma num determinado período, seja no manuseio (limpeza, por exemplo), no treino mental, a seco e com tiro real.

DURAÇÃO é o tempo utilizado em cada contato. Aqui não há uma fórmula, pois o tempo depende do volume de conhecimento a ser transmitido e da possibilidade de retorno do aluno a sua linha de tiro ou curso noutra oportunidade.

Se você treina com alguma frequência, a duração do contato pode ser menor. Do contrário, seu treino tende a ser longo. Só que treino longo cansa ao ponto de você não apresentar o rendimento esperado.

INTENSIDADE é a qualidade do seu treino com base no objetivo estabelecido (necessidade). Com treinos frequentes você pode diminuir a duração e focar em aspectos específicos em cada contato. De modo geral, intensidade é fazer o exercício certo do jeito certo.

Isso não significa que você deva abrir mão completamente de treinos longos com conteúdo global. Nesse caso, você pode incluir intervalos para descanso, hidratação, lanche e uma boa conversa com os colegas.

Mas ao retomar o treino, você precisa dum momento pra se readaptar. Então, antes de começar seus disparos, se concentre e treine a seco.
Então, PROXIMIDADE é o seu contato com a arma; seu nível de intimidade. Daí, sem frequência, duração e intensidade, você e sua arma são apenas conhecidos.

Mas a fórmula é da AMIZADE, porque amigos fazem muito mais uns pelos outros.

Como dizia um antigo instrutor da PF: “Sua arma quer acertar, você que não está deixando!”

domingo, 1 de março de 2020

Dá para aprender só vendo um vídeo?

 Se um criminoso só assistir um vídeo que trata do tiro ao alvo, será capaz de usar a arma de modo eficaz?

Policiais, afastados do treino de tiro por 6 meses ou mais, ao assistirem o mesmo vídeo, estarão aptos a realizarem tiros certeiros?

Se o tiro é uma habilidade que se deteriora com o tempo e a ausência de prática, como alguém pode se tornar melhor apenas vendo uma imagem?

A Pirâmide de Aprendizagem (Edgar Dale) diz que métodos passivos (leitura) tendem a gerar pouca retenção do conteúdo. O método audiovisual gera só 20% de aproveitamento. Já os ativos aumentam esse percentual pra 90%, sendo que o aprendizado pela prática retém 75%.

Apesar das discussões sobre o estudo e a percepção de que as pessoas são diferentes e aprendem de maneiras distintas, é possível perceber, pela experiência, que é a prática assistida e frequente que torna alguém um atirador melhor. Mas isso não basta, pois o avanço no tiro exige comprometimento.

Marcelo Esperandio, tratou disso: a diferença entre a força de vontade e a disciplina.

O formato do treino é similar em todo o mundo: teoria, manuseio, prática a seco, correção, prática com tiro real, correção e volta à prática.

E a história mostra que o conhecimento e a experiência prática é que tornam o indivíduo um profissional.

Se você apenas assistir um vídeo de como jogar bola, será capaz de jogar contra um time profissional e fazer um gol?

Se fizer, até que ponto foi a habilidade aprendida no vídeo? E até que ponto pode ter sido a sorte?

Se respondermos: "sim, uma pessoa pode melhorar uma habilidade motora, e até um comportamento, apenas vendo um vídeo ou lendo um texto", então precisamos repensar o ensino do tiro, inclusive nas polícias.

E considerando que o tiro é uma atividade cara, podemos sugerir sua aplicação apenas no modo de ensino a distância (EAD).

Na realidade, podemos transformar todo o ensino policial numa atividade EAD, inclusive o Force-on-Force.

E isso nos leva aos jogos. Se eu jogar Call of Duty todos os dias, serei um operador capacitado?

Mas como acreditamos que a resposta é "não", insistimos pra que os treinos sejam práticos, frequentes, pra todos os colegas e orientados por professores capacitados. 

Represar o conhecimento?!

Espalham conteúdo pelo Zap. (Bom pra quem aprende).

Permitem que cinegrafistas entrem nas viaturas. (Ruim. Deixa todos em risco).

Chamam a imprensa pra acompanhar, ao vivo, ações policiais. (Péssimo).

Ministram aulas em faculdades. (Muito bom. Mostra nossa capacidade).

Participam de podcasts e lives. (Excelente. Algum colega está refletindo sua conduta).

Treinam atores de filmes policiais. (Bom. Pode mostrar a realidade).

Protagonizam programas que mostram a rotina policial. (Excelente. Mostra às dificuldades do trabalho).

Ministram cursos de tiro, inclusive de instrutor, fora do círculo policial. (Excelente. Forma cidadãos contra o mal).

Publicam livros sobre autodefesa, sobrevivência, tiro, lanterna, operações especiais, artes marciais, balística, doutrina policial, armas, etc. (É o conhecimento tomando seu curso natural).

Interagem com o público em competições de tiro. (Sem mais).

Compartilham conhecimento com colegas de outras polícias. (Estamos do mesmo lado).

Viajam pro exterior em busca de novas técnicas e as divulgam aqui. (Aprender e ensinar).

Acessam, pela rede, conteúdos estrangeiros e também os divulgam.

Compram produtos de empresas privadas que vendem equipamentos táticos em lojas físicas e virtuais. (Tudo que conspira pra vida do policial deve ser incentivado).

Sugerem melhorias em equipamentos produzidos por empresas privadas. (Idem).

Dão nomes a produtos que serão vendidos ao público e associam sua imagem à essas empresas e vice-versa. (Justo reconhecimento pelo trabalho).

Participam de equipes de airsoft. (Importante ferramenta de treino).

E transmitem conhecimento pela internet. (Ferramenta pra alcançar colegas distantes).

Se fosse possível represar o conhecimento, estaríamos morando em cavernas ou sob o tormento dum ditador letrado ou escravizados por alguma nação poderosa.

A inteligência e o conhecimento são dons humanos, embora sirva pro bem e pro mal.

Mas se podem ser usados pro mal, a solução é acabar com o conhecimento, da mesma forma que o fim das armas acabaria com as mortes, segundo desarmamentistas.

Mas armas não matam pessoas. Pessoas matam pessoas. Logo, o conhecimento não mata pessoas.

Primeiro você tem que acreditar

Primeiro você tem que acreditar que pode ser o alvo algum dia.

Só depois dessa mudança de mentalidade, você será capaz de alterar o seu comportamento.

Mas isso exige trabalho, e muitas pessoas não querem tal encargo. Por isso vivem num mundo paralelo: o da negação.

A questão é que a negação é uma proteção ilusória. Até certo ponto pode funcionar, em termos psicológicos, como uma "barreira" contra pensamentos desconfortáveis.

Pode até pode funcionar para alguns, mas certamente não irá funcionar para todas as pessoas.

Mas para o criminoso a realidade é aquilo que ele percebe e observa. Para ele, o estado de negação da vítima é a chave do sucesso.

E quem o criminoso vai escolher como vítima? O indivíduo que acredita no perigo e trabalha para evitá-lo ou aquele que fecha os olhos e se esconde atrás de uma folha de papel?

Pode parecer egoísmo, mas a verdade precisa ser dita. Você também estará mais seguro enquanto houver alguém negando a realidade.

Postura corporal agressiva

Seja à paisana ou uniformizado, com a arma no coldre ou nas mãos, reagindo ou se antecipando, o tiro rápido é a essência do tiro policial ou de combate.

Isso não significa que o atirador pode desprezar os fundamentos (base, 1a empunhadura, saque, 2a empunhadura, apresentação, visada, acionamento do gatilho e a recuperação da visada).

E um grande amigo acrescenta a POSTURA CORPORAL AGRESSIVA, apesar de parecer um contrassenso adotar uma postura assim no tiro visado.

A questão é que o objetivo do fundamento do tiro no treino policial é chegar ao tiro rápido com disparos aceitáveis.

Daí, a postura corporal deve ser a mesma nos dois modos de treino.

Se você conseguir um bom resultado no tiro visado, certamente vai estar mais preparado pra aplicar o fundamento no tiro rápido.

Muitos policiais adotam uma postura ereta (mais à vontade) no tiro visado e fazem o mesmo no tiro policial. E isso é mais visível no tiro com uma mão só.

Às vezes ocorre uma postura ereta no treino visado e uma ofensiva no tiro policial.

E essa variação na postura corporal pode limitar o avanço no tiro porque induz à ideia de que os fundamentos não precisam ser aplicados no tiro rápido.

E digo que mesmo o tiro instintivo (point shooting), do qual sou adepto, necessita da aplicação dos fundamentos.

Então, erroneamente, o atirador entende que tiro rápido policial é simplesmente "mandar bala", o que reflete também a falta de comprometimento em melhorar.

No início eu disse que o tiro rápido é a essência do tiro policial ou de combate. Portanto, o treino deve ser construído visando esse objetivo.

E você deve ser capaz de empregar os fundamentos usando a postura de combate em todos os tipos de treino, pois quando a necessidade surgir, é o que você terá que fazer.

Então quando você for ao estande, adote uma postura agressiva em qualquer tipo de treino.

Não estamos em todos os lugares.

Não estou nos lugares ou ao lado dos colegas quando tomam a decisão de agir ou reagir. E é verdade que os únicos que podem tratar, de modo específico, duma ocorrência são os que estavam lá.

Sonhamos com uma polícia moderna, reconhecida e motivada. Mas ela não é assim. Por quê?

Um colega é ferido. Como evitar algo semelhante? Não posso dizer; eu não estava lá!

Outro colega é assassinado. O que podemos fazer pra evitar novos casos? Não posso imaginar; eu não estava lá!

A munição falha; a arma dispara sem que se pressione o gatilho; a viatura capota e o carona é ejetado, bate a cabeça e morre. O que ocorreu? Não posso falar, porque eu não estava lá!

Colegas são feridos e mortos diariamente em condições semelhantes. E não temos estudos de caso. Por quê? Porque não se deve falar, principalmente se você não estava lá!

Nos EUA, 2 policiais foram feridos gravemente por um motorista. Após escaparem da morte, eles autorizaram a divulgação do vídeo, com o desejo de que servisse de estudo pra que outros não passassem por algo parecido.

Podemos desejar e fazer algo pra que outros colegas não passem por situações perigosas, ainda que estejamos no conforto de nossas casas?

Parece que não, principalmente se você não estava lá.

Mas tudo isso eu escrevi com um sentimento inadequado baseado em opiniões, que possuem peso sobre essa reflexão.

Cada um de nós escolheu ou foi escolhido pra estar na polícia  por uma razão. Muitos estão em viaturas, aeronaves e embarcações. Nas cidades e nas fronteiras. À noite ou de dia. Na operação ou na inteligência. O que nos une é o desejo de ser útil pra que nossa passagem nesta vida faça sentido?

Infelizmente, não podemos estar em todos os lugares e vivenciar tudo, pois muitas vidas serão necessárias pra isso.

E a minha pergunta é a mesma: ainda que eu não possa estar em todos os locais e ter todas as experiências, o que posso fazer? Talvez eu possa expor algumas reflexões aos colegas.

Daí vem sempre o mesmo teste de perseverança: "Você não estava lá! Fique calado!", "Até treino você quer fazer?!", "Eu não faço mais nada pra polícia", "Esse projeto não vai dar em nada!", "Tá vendo muito filme!"

O conselho parece bom porque ninguém perde nada quando fica em silêncio.

Mas se alguém sugerisse que você desistisse do que acredita, você o faria?

O fato é que cada um faz, COMO PODE, aquilo que acredita.

Então, creio que posso seguir em frente enquanto houver colegas nas viaturas, aeronaves, embarcações, delegacias e quartéis.

O texto anterior não foi uma crítica aos colegas que estavam naquela embarcação. Ao contrário, uma vida foi salva porque acreditaram e fizeram o que treinaram. A mensagem foi para os descrentes.

Tiro Prático (IPSC) e o tiro policial

Algumas pessoas me perguntam se o IPSC é um bom método para treino de tiro.

No esporte, normalmente você está sendo observado por outras pessoas. E quando você precisa colocar em prática aquilo que treina, um nível de ansiedade é importante para verificar seu controle emocional e sua concentração.

No IPSC, você treina muitas habilidades de tiro, de segurança e conduta com armas de fogo.

Mas há algumas características, em relação ao tiro policial, que você precisa entender.

No esporte você:

Só realiza dois disparos no alvo, de modo geral.

Faz dois disparos e corre pro próximo alvo.

No alvo metálico, se você acertar 1 tiro, já é o suficiente, desde que ele caia.

Você sai com a arma do coldre ostensivo e adaptado ou com ela sobre uma plataforma.

Atira com empunhadura dupla a maior parte das vezes.

Atira em pé na maioria das vezes.

Os alvos estão na sua frente e, poucas vezes, a curtíssima distância (a distância de um braço).

Mesmo havendo alvos não atiráveis, a identificação é fácil.

Existem alvos que estão próximos ao solo e não na linha dos olhos ou do tronco.

Mesmo barricado, você pode se expor de repente para engajar o alvo.

E o cenário da pista de tiro pode ser reconhecido com antecedência.

O fato é que toda vez que você limpa a sua arma, treina a seco, participa de um curso, lembra que a sua arma pode salvar a sua vida, você está no caminho correto.

E toda vez que você pega a sua arma, vai ao estande com o objetivo de fazer o melhor e aprender com os acertos e os erros, você está no caminho certo também.

Então, você deve, sempre que puder, participar das provas de IPSC, mas tendo em mente que é preciso completar o seu treino com aquilo que está alinhado ao tiro policial.