Meu
primeiro contato com as operações especiais ocorreu no curso de formação policial no ano de 1997. O estágio no NOONONOONOON (NON) durou uma semana e nesse período aprendi o que significavam expressões
como fatiamento, espiada rápida, funil fatal ou cone da morte, entrada dinâmica
ou sistemática, em gancho ou cruzada, abordagem pessoal e veicular, progressão
em ambiente hostil, orientação e navegação terrestre, nós e amarrações,
transposição de obstáculos, etc.
A
essência do aprendizado permaneceu consciente, apesar da incapacidade de
aplicação de muitas dessas técnicas ao longo de 17 anos de trabalho. E um dos
motivos para essa incapacidade é bem simples e remete a um antigo ditado: uma
só andorinha não faz verão. O que quero dizer é que cada policial que aprende
técnicas diferenciadas (especiais) não encontra o que é necessário para colocar
em prática aquilo que aprendeu, pois se depara com um ambiente corporativo no
qual outros policiais acreditam que o aprendizado acadêmico não suporta o
escrutínio da experiência prática. Ou seja, aquilo que se aprende na academia
de polícia deve ser esquecido porque não encontra aplicação no mundo real. Essa
mentalidade, “certificada” ano após ano, e a própria falta de interesse em
aplicar o trabalho policial de maneira mais técnica faz com que a distância
entre o berço policial (a academia) e a atividade prática seja intransponível.
E essa distância acaba reforçando a ideia de que é preciso esquecer aquilo que
se aprendeu na formação básica, numa espécie de círculo vicioso.
No
mundo prático, portanto, minha primeira instrução foi esquecer tudo que aprendi
no curso de formação. Se aquilo que era convencional precisava ser “esquecido”,
o que pensar daquilo que era especial. De fato, e justiça deve ser feita em
razão da dedicação e experiência de muitos policiais, alguns ensinamentos deviam
e ainda devem ser submetidos a minha total amnésia.
Mas
como diminuir a distância entre aquilo que se aprende e o trabalho policial? A
resposta é: INCORPORAR A CULTURA DOS
NICHOS.
O
segundo contato com o universo das operações especiais ocorreu num curso
ministrado pelo Grupo de Ações Táticas Especiais da Polícia Militar de Minas
Gerais (GATE/PMMG). Aprendi como usar um escudo balístico, entradas em
edificações, noções de negociação, técnicas com lanternas, etc. O curso era uma
parceria entre o GATE e a Delegacia de Repressão a Entorpecentes (DRE) da polícia em Belo Horizonte/MG. Por incrível que pareça, também não
consegui colocar em prática os conceitos e técnicas desenvolvidas no trabalho
policial diário, apesar de fazer parte de um outro nicho altamente
compartimentado (fechado): a própria DRE.
Depois
disso, meu terceiro contato com o ambiente das operações especiais ocorreu em
2007, durante o Curso Especial de Polícia. Naquele ano a academia havia mudado,
muitas disciplinas haviam mudado, mas eu também havia mudado. Recrudescido pela
“casca” da rotina policial, tudo que era ensinado passava pelo crivo de 10 anos
de trabalho e de convívio com outras centenas de amigos muito mais experientes
que eu. Infelizmente, passava pelo crivo de muitos colegas desmotivados ou sem
aptidão para a carreira.
A
quarta aproximação com as operações táticas ocorreu durante o curso de formação
de instrutor de fuzil realizado em 2014. Nesse curso, convivi com um paradoxo,
pois na condição de aluno me livrei daquela “casca” e abri a mente para novo
aprendizado. Entretanto, alguns ensinamentos já não tinham aplicação policial
havia certo tempo. Essa percepção também foi compartilhada e especialmente
reforçada por um amigo instrutor de tiro, ex-integrante do NON, e que mantém
forte INTERESSE e intensos ESTUDOS sobre técnicas e equipamentos
policiais. O curso também incluía uma visita ao NON, onde, para meu contentamento,
aprendi técnicas mais modernas e coerentes com a prática policial (convencional
e especial). O encontro no NON foi duplamente motivador, já que o livro
Autodefesa Contra o Crime e a Violência estava sendo utilizado como fonte nas
instruções de sobrevivência policial. Após a visita, ficou claro que o NON não
só havia se modernizado, mas estava MUITO
à frente dos setores mais especializados da polícia.
Um
olhar menos atento pode indicar que esse distanciamento é natural e desejável,
pois trata-se de um grupamento especial por natureza. Contudo, essa distância é
preocupante porque a atividade de polícia começa pela base e não pelo topo. Se essa
distância é enorme, inclusive em comparação com setores especializados, algo
está errado. Provavelmente, há uma massa de policiais que, apesar da
experiência, não possui condições técnicas aceitáveis para a segurança e o
sucesso na atividade policial, seja porque não tem o conhecimento ou porque não
quer aplicar o que aprendeu. Essa impressão não é obviamente explícita, já que
muitos trabalhos policiais têm a SORTE
de “darem certo” e os erros são esquecidos ou varridos para debaixo do tapete.
Quando tudo dá errado, a culpa é somente do policial, mas nunca um problema
institucional na área do ensino e da prática policial diária. A inabilidade
técnica não é culpa exclusiva do policial, mas o resultado da força de um
pensamento quase irresistível: aquele círculo vicioso que diz que é preciso
esquecer o que foi aprendido.
Por
falar em erros, grupos especiais não são infalíveis, mas se distinguem na
capacidade e interesse em avaliar o que foi feito de certo e, principalmente, ANALISAR OS PRÓPRIOS ERROS com o
objetivo de propor soluções e aperfeiçoar o treino e o aprendizado para ações
futuras. Essa prática, chamada DEBRIEFING, inexiste na polícia
convencional.
O
quinto encontro com o setor de ações especiais ocorreu num curso de ATUALIZAÇÃO para os Grupos de Pronta Intervenção
(GPI) de Minas Gerais e do Rio de Janeiro. Durante duas semanas ouvi expressões
como Free Flow, reta, ponta, TCCC (Tactical Combat Casualty Care), etc. A
excelência do curso reafirmou minha percepção de que há um GRANDE abismo entre o treinamento e o equipamento dos grupos
especiais e o comportamento do policial que está fora desse nicho.
Outra
razão para esse distanciamento é o interesse pelo TREINAMENTO CONSTANTE, mesmo quando não há nada acontecendo que
justifique o treino. Infelizmente, muitos colegas pensam que treino não é
trabalho (e muitos chefes também pensam assim). Agora, pense na seguinte frase:
policiais são pagos para desconfiar quando não há nada para desconfiar. Avaliar
as pessoas, o que elas fazem, como se comportam e o local onde se encontram, é
a essência do trabalho policial. Portanto, operadores táticos devem treinar
quando aparentemente não há qualquer razão para isso.
Treinamento
constante, planejamento, EXECUÇÃO
COORDENADA e debriefing formam a
cultura da atividade de operações especiais. Essa cultura forma um nicho que
agrega policiais com interesses em comum. E os equipamentos especiais?
Certamente, esses objetos não são a razão da existência de um grupo especial,
mas o RESULTADO de uma CULTURA POSITIVA e de um COMPORTAMENTO DIFERENCIADO.
Esses
elementos (comportamento e cultura) são muitas vezes incompreendidos por muitos
policiais. Não é à toa que grupos especiais são alvos de piadas e de sentimentos
de antipatia.
Eu
mencionei PLANEJAMENTO? Sim, é
claro! E essa palavra me fez lembrar meu sexto encontro com o universo das
ações especiais ocorrido em recente operação em Juiz de Fora/MG. Eram 23h do
dia 09/06/2014 quando as equipes se recolhiam para dormir, considerando que o
início da operação estava programado para as 3h do dia seguinte. Entretanto, apenas
12 policiais permaneceram numa sala de reunião para planejar a ação e a
participação de cada integrante durante o cumprimento da missão. Todos eles
integravam o GPI de Minas Gerais e de Santa Catarina. O interesse pelo
planejamento ANTECIPADO e DETALHADO era visível em cada um daqueles
policiais.
Na
palestra de abertura da operação, foram mencionadas três regras para o sucesso
da missão:
Regra
nº 1) Voltar são e salvo para casa e para o convívio com a família;
Regra
nº 2) Respeitar a instituição;
Regra
nº 3) Cumprir os mandados judiciais.
Assim,
todo planejamento antecipado e detalhado favorece o cumprimento da regra nº 1,
a mais importante para qualquer trabalhador.
Porém,
aqui cabe um alerta. Um dos maiores erros que tenho observado diz respeito ao
horário da entrega das informações sobre a operação policial, o alvo e o local
das buscas. Via de regra, as equipes só recebem essas informações pouco antes
da saída para o cumprimento da tarefa. Isso dá pouca ou nenhuma oportunidade
para que as equipes possam se inteirar sobre a situação e PLANEJAR a execução da missão. Mais uma vez, isso reforça a incapacidade,
o desinteresse e a distância da cultura positiva e do comportamento diferenciado
que todo policial deveria manter.
Esse
artigo não tem a intenção de homenagear policiais de grupos especiais, ainda
que mereçam, mas demonstrar que cada policial, dentro de nichos ou fora deles,
deve compreender a importância de observar, pensar, treinar, planejar e agir
como um policial especial. Grupos especiais agem em situações especiais e
policiais normais atuam em situações convencionais. Essa é a regra. Entretanto,
o trabalho convencional abrange a maior parte das atividades de polícia e dados
estatísticos têm demonstrado que a maioria dos policiais é agredida, ferida ou
morta nessas circunstâncias comuns.
Mas
se você incorporar a cultura desses nichos (COT, GPI, CAOP, GATE, BOPE, CORE, DRE, GISE, DAS, ROTA, GER, GIR, TIGRE, ROTAM,
Tático Móvel, etc.) na sua atividade diária, certamente se transformará num
policial diferenciado. Lembre-se que você já é especial para sua família. Agora
basta que você se torne especial para si mesmo. Treine, planeje, execute e
avalie o que faz durante o trabalho! Diminua as distâncias! Isso pode tornar seu
trabalho mais motivador e também pode salvar a sua vida!