Mas
para nossa decepção, o professor da matéria falou sobre quase tudo, menos sobre
os métodos específicos de investigação. Sua justificativa era de que ainda não
éramos policiais, apenas alunos de um curso de formação, sendo que o
conhecimento de certas informações ainda não era conveniente.
Durante
alguns anos trabalhei na atividade de repressão ao tráfico de entorpecentes e
conheci aqueles policiais que estavam nas ruas investigando traficantes e os
prendendo, apreendendo drogas e, sem aparecer, mostrando os resultados desse duro
trabalho. Todos os policiais fugiam das filmadoras e máquinas fotográficas da
imprensa e ninguém falava sobre os métodos de investigação. Eu mesmo só conheci
tais métodos e só fui chamado para participar das operações policiais depois
que os policiais mais antigos avaliaram minha capacidade de manter o sigilo e o
comportamento necessário para operar neste tipo de atividade. Quando viajava,
nem minha família sabia para onde eu ia.
Compartimentação
foi o nome que a polícia encontrou para dizer que certas informações só dizem
respeito a certas pessoas. Quer dizer, manter informações sob sigilo (compartimentadas)
protege a operação policial contra os “vazamentos”, sejam eles intencionais ou
não. Outro objetivo da compartimentação é impedir que os criminosos conheçam os
métodos de investigação policial e criem mecanismos para burlá-los, o que
dificultaria ainda mais o trabalho policial.
Contudo,
este tabu não existe mais e, algumas vezes, é a própria polícia que informa que
foram realizadas interceptações telefônicas, escutas ambientes, acompanhamentos
aéreos não tripulados, infiltrações de agentes disfarçados, etc. Quer dizer,
aqueles métodos específicos de investigação, outrora compartimentados até mesmo
dentro das organizações policiais, agora são do conhecimento público.
Por
outro lado, quando algumas corporações não querem revelar seus métodos de investigação,
elas cometem outro erro, ou seja, informam que o trabalho policial ocorreu em
virtude de uma denúncia anônima. Infelizmente, quando tal denúncia existe
apenas como pano de fundo, isso diminui todo o esforço de cada policial
envolvido na operação e acaba desvalorizando a atividade pela sugestão de que a
polícia recebeu uma informação pronta e apenas ficou à espera do resultado. Muitos
profissionais sabem que nenhuma denúncia anônima entrega o serviço pronto, e
aquelas que merecem algum crédito representam apenas o embrião de qualquer
operação policial.
Certa
vez, assisti um documentário sobre uma ação contraterrorismo realizada pelo Mossad. Na operação, o terrorista acabou
alvo de sua própria bomba no quarto de um hotel onde estava hospedado. A repórter
perguntou ao chefe da operação como o Mossad
havia atingido o objetivo (neutralizar o terrorista com sua própria bomba
caseira). Com ironia, o chefe disse: “Você realmente quer que eu revele os
segredos de nossas ações num programa de televisão?” Obviamente, eu entendo que
o bom repórter tem a obrigação de perguntar, mas certas perguntas não merecem
respostas.
Algumas
corporações possuem laços estreitos com a imprensa, o que é desejável, pois
esta cooperação é útil muitas vezes. Mas como tudo tem seu limite, avisar a
imprensa sobre uma operação policial antes do seu desencadeamento ou permitir a
presença do repórter dentro da viatura policial não é ideal. Hoje em dia, já
existem programas de TV destinados a mostrar o trabalho policial. Isso é
excelente para a polícia, uma vez que o público pode perceber a satisfação por
um trabalho policial bem feito e, ao mesmo tempo, os perigos da profissão. É
bom também para mostrar a frieza e o cinismo dos criminosos em contraposição ao
desespero das vítimas. Entretanto, avisar a imprensa sobre uma operação em
curso ou permitir que um cinegrafista faça seu trabalho de dentro da viatura ou,
ainda, encenar uma ação policial apenas para sair no noticiário é inoportuno.
Em
outra ocasião, vi um grupamento militar reencenando a “tomada” de uma favela e
a localização do material entorpecente. A cena mostrava o policial em
deslocamento tático “fatiando”, com sua carabina .40, os becos da favela até
chegar à boca de fumo.
Em
outras reportagens é possível ver todo tipo de erro tático durante essas ações
policiais. Muitas matérias mostram policiais trajando “uniformes” sem a menor
padronização. São policiais conversando enquanto se aproximam das residências alvos
de mandados de busca. Na verdade, eles deveriam estar em absoluto silêncio. São
policiais chutando portas porque não possuem ferramentas adequadas. Policiais
esmurrando portas enquanto ficam diante delas e no que se convencionou chamar
de “cone ou funil fatal”. São policiais sem luvas revirando os chiqueiros onde
vivem os criminosos. Policiais disparando suas armas a esmo. Para o público isso
parece coisa de cinema; para quem é do ramo, é falha mesmo. Tal deficiência não
é apenas culpa do policial, mas é o resultado do pouco e da baixa qualidade do
treinamento e da falta de equipamentos e normas que estabeleçam procedimentos
operacionais.
A
questão é que são erros filmados e gravados por profissionais que não compreendem
as dificuldades do trabalho policial e não percebem a possibilidade de usar as
filmagens com o propósito de reivindicar melhorias nos treinamentos, nos
equipamentos e nos procedimentos. Então, quando algo dá errado, o vídeo serve
apenas para mostrar como a polícia é incompetente.
Entretanto,
existem outras considerações relevantes sobre a participação da imprensa no ato
das operações policiais. A primeira delas diz respeito à segurança da equipe
jornalística durante a ação policial. Considerando que algumas vezes é a
própria polícia que convida a imprensa para presenciar suas atividades, é
fundamental que a segurança dos convidados seja de inteira responsabilidade da
polícia. Isso significa que a imprensa deve ser protegida por um grupo de
policiais com esse único objetivo, já que uma das funções da polícia é não
permitir que inocentes corram riscos desnecessários. Por isso, repórteres não
podem acompanhar mandados de busca, não podem permanecer dentro das viaturas
policiais e não podem subir morros junto com equipes precursoras. Se a
participação da imprensa for imprescindível, então ela deve seguir depois que o
local estiver em segurança. Mas se o repórter insiste em seguir adiante, o
policial tem que dizer NÃO antes que alguém seja ferido ou morto.
Se
o policial precisa progredir num ambiente hostil, que nível de proteção ele
pode dispensar ao repórter enquanto tenta resguardar a própria vida? Para mim, o
policial pode fazer muito pouco já que sua atenção e seus procedimentos táticos
estão orientados exclusivamente para a salvaguarda da equipe policial. Isso
significa que se não houver uma equipe policial (na retaguarda) com o objetivo específico
de proteger a imprensa, então a equipe precursora terá que dividir sua atenção
entre a própria segurança e a da equipe jornalística. Em termos táticos, isso
representa um peso desnecessário, perigoso e que atrasa a entrada, a
movimentação e a saída de todos os envolvidos na área do conflito. Implica
dizer também que se um policial for vitimado, o jornalista ficará ainda mais
desprotegido (já que não possui uma arma de fogo, uma proteção balística
adequada e o treinamento devido). Se o jornalista for vitimado, o policial terá
que aguardar até que se estabeleça algum nível de segurança para que o socorro
seja feito sem que ocorram outras fatalidades. Quando o início do socorro
médico pode fazer a diferença entre a vida e a morte, qualquer atraso pode ser
desfavorável para a pessoa ferida.
Proteção
e socorro são, portanto, peças fundamentais em qualquer atividade policial,
seja ela acompanhada pela imprensa ou não. Quer dizer, toda operação policial
ostensiva deveria ser acompanhada por equipes do Serviço de Atendimento Móvel
de Urgência (SAMU), já que a possibilidade de conflito armado é certa. Agindo
assim, a pessoa ferida já receberia os primeiros socorros no local da
ocorrência e/ou a caminho do hospital. Isso é completamente diferente de apenas
transportar a vítima na viatura policial. Se isso não for possível, então cada
equipe policial deveria possuir alguém treinado em primeiros socorros,
inclusive com o equipamento básico de atendimento.
Como
já foi dito, com a participação de repórteres sem treinamento e condições de
defesa, a proteção deve ser feita por um grupamento policial designado e pelos
equipamentos de proteção individual oferecidos pelos empregadores, tais como:
capacete balístico e colete balístico.
Capacete
balístico é equipamento de grupos de ações especiais (e acredito que muitos não
tenham isso). E normalmente, o que se vê “protegendo” a cabeça do policial é
uma boina ou um boné. Já o colete balístico possui níveis de proteção conforme
determina o instituto americano National
Institute of Justice (NIJ), sendo o mais comum na atividade policial o de
nível IIIA, que protege contra projéteis .22 LR, .38 SPL, .380 ACP, .357
Magnum, 9 mm Luger, .40 S&W e .44 Magnum, considerando ainda suas massas e
velocidades. Qualquer nível de proteção acima disso depende de autorização do
Exército Brasileiro.
Mas
se um policial convencional é designado para um patrulhamento de alto risco, é
plausível que ele utilize equipamentos convencionais? É admissível que ele utilize
um colete balístico incapaz de protegê-lo contra projéteis de fuzis quando se
sabe que ele será confrontado por criminosos portando este tipo de armamento? Claro
que não! Se a atividade é de alto risco e a possibilidade de confronto é
iminente, então todos os envolvidos (policiais especiais, convencionais e
repórteres) devem trajar o que há de melhor e mais adequado. Contudo, isso é a
teoria, pois nem um colete balístico nível III ou nível IV pode garantir máxima
eficácia contra os impactos de projéteis de fuzis, já que tal proteção ocorre
devido à presença de placas balísticas de cerâmica ou lâminas de polietileno
(pouco maiores que uma folha de papel A4) desenvolvidas para oferecer proteção apenas
para o coração e os pulmões. Quer dizer, todo colete nível IV é na verdade um
IIIA. Então, quando você insere as placas balísticas, seu colete IIIA se torna
um nível IV, mas só na parte das placas. Há, ainda, a limitação do total de
impactos que cada placa pode suportar antes de se tornar totalmente ineficaz.
Apesar de tal deficiência, isso não significa que os policiais devam trabalhar
utilizando equipamentos protetores com capacidade inferiormente ao tipo de
confronto esperado.
Além
disso, mesmo que um projétil seja parado com sucesso pelo colete sempre haverá
algum nível de lesão (contusões, fraturas, hemorragia interna, morte). Um
colete protege você contra a maioria dos projéteis de revólver, pistola e
espingarda, mas não há dispositivo no mundo que o torne invencível a todas as
ameaças. Para dizer o óbvio, levar um tiro sempre traz algum risco, pois
existem muitas variáveis que podem interferir na eficácia da
"blindagem" (distância do tiro, ângulo de impacto, tipo de munição,
se a arma é longa ou curta, quantos projéteis atingiram o colete ou a placa balística,
etc.). Portanto, mais uma vez, a questão é a proteção e o socorro imediato.
Infelizmente,
no caso do repórter, parece que ele estava mal posicionado. Talvez
até exposto na linha de visada dos atiradores. Sem cobertura e sem abrigo, qualquer
pessoa acompanhando um grupo de policiais e segurando um objeto com as duas
mãos pode ser confundido com um policial, especialmente se a distância for
grande.
Logo,
a melhor blindagem que você pode encontrar é um abrigo, mesmo que esteja
vestindo um colete nível IV. Isso ocorre porque um abrigo é capaz de proteger
todo seu corpo. Já para os profissionais da imprensa, a melhor blindagem é
NUNCA seguir equipes policiais na linha de frente.