Dois mil e treze
(2013) foi um ano atípico. Por causa das circunstâncias e da animosidade que se
instalaram no local de trabalho, eu havia decidido não realizar qualquer
treinamento de tiro na delegacia onde estou lotado. Algumas pessoas, inclusive,
me orientaram a não fazer nada sob o risco de boicote.
Meses depois,
avaliei se minha decisão era a mais acertada e se minha vida deveria se pautar
pela opinião alheia. Então, em outubro, iniciamos o treinamento de tiro com
pistola; realizamos um treino com fuzil e abordagem policial em novembro; e um
treinamento de tiro e autodefesa contra o crime para juízes federais em
dezembro.
Minha mudança de
atitude foi motivada por duas razões. Talvez, o treino pudesse fazer a
diferença para alguém. Quem sabe, fosse um alívio para o estresse e a rotina dos
participantes. Era importante pensar naqueles policiais que estavam “vivos” e
esquecer aqueles que decidiram “morrer”, já que não se poderia fazer muita
coisa pelos “mortos”. Essa foi a primeira razão. O segundo motivo era a
possibilidade do treino me dar alguma alegria, alguma “vida”. Eu decidi que o
resto de entusiasmo não “morreria” em razão das circunstâncias. Eu decidi não
seguir os “mortos”, mas os “vivos”.
De fato, 30
policiais participaram do treino de pistola e 40 realizaram o treinamento de
fuzil e abordagem policial.
A aula
introdutória do treino de novembro (tiro com fuzil e abordagem) tratava da
sobrevivência policial. Nessa aula, disse aos policiais algumas frases que
havia aprendido ao longo do ano de 2013. São essas frases que compartilho neste
artigo, na expectativa que possam fazer alguma diferença nas decisões dos
leitores, assim como fez para mim.
“Fazer dá
trabalho, e ninguém quer ter trabalho!” Aprendi essa frase com um subtenente
(hoje capitão) do exército. E ele está certo. Fazer algo sempre dá
trabalho, mesmo que seja para você mesmo. E se você quer bem feito, o trabalho é
dobrado. Elaborar um treinamento e fazer com que ele aconteça dá muito trabalho.
Contudo, tem policial que não quer ter trabalho algum, mas não perde a
oportunidade quando quer reclamar. Reclama que não possui uma arma. Aí, a
polícia compra a arma. Então, ele reclama da falta de munição. A polícia compra
a munição. Daí, ele reclama da falta de instrutores. A polícia forma o
instrutor. Em seguida, ele reclama da falta de local ou das condições do local
de treino. A polícia consegue um estande. E o que o policial faz? Diz que está
muito ocupado e não tem tempo para treinar. Na verdade, isso é uma desculpa
esfarrapada para não ter trabalho. E quando eu digo “polícia”, me refiro aos
policiais que fazem as coisas acontecerem. A instituição não faz coisa alguma;
quem faz são os policiais.
Depois ouvi a
segunda frase, agora de um policial, horas antes dele reagir a um assalto
dentro de casa e matar um criminoso e ferir outro para salvar a própria vida,
as vidas da irmã, do cunhado e dos sobrinhos. Ele disse: “Eu treino para ficar
vivo!” Esse colega está sempre disposto a treinar, a ajudar e a ter trabalho.
Depois do episódio, ele também percebeu, assim como eu, que é preciso estar ao
lado dos “vivos”.
A terceira
citação foi de um investigador de polícia. Ele comentou: “É
preciso estar preparado, Humberto!” Momentos depois, ele sobreviveu a uma
tentativa de roubo num posto de gasolina e matou os dois delinquentes. Apesar
de toda a carência de recursos que esse policial enfrenta para exercer a
profissão, ele está sempre disposto a treinar e a trabalhar com um vigor capaz
de envergonhar muita gente.
A quarta frase foi
uma demonstração de dissabor com o trabalho policial, de desmotivação e de
falta de esperança. Mas, considerando a realidade das instituições e a forma
como os governos tratam suas polícias, nada disso é novidade. As razões para
essa frase abrangem desde a insatisfação financeira, a falta de perspectiva
profissional e outros temas. Esses outros temas já são do conhecimento daqueles
que ainda formam a NO, e por absoluta impertinência não cabem neste texto.
Assim, ao ser
convidado para um curso de formação de operador de fuzil, o policial respondeu:
“Eu não faço mais nada pra polícia!”
Confesso que
fiquei constrangido com a resposta, pois fiz o convite com a melhor intenção.
Considerei que o curso seria de grande valia para o colega, já que ele possuía
uma arma longa. Além disso, um dos instrutores de tiro responsável pelo curso
me incumbiu de procurar voluntários para o preenchimento das duas vagas
destinadas à delegacia. Infelizmente, não me lembrei da triste situação que se
vive no ambiente de trabalho.
Então, para minha
surpresa aprendi a quinta frase: “Humberto, há pessoas que preferem descer enquanto
outras escolhem subir!” Conclui, portanto, que era perda de tempo e de energia pensar
ou me preocupar com aqueles que desejavam descer.
De qualquer modo,
todo policial tem duas opções. A primeira é deixar que o desânimo, a
desmotivação, a raiva e a pirraça o transformem num fantasma, que se arrasta
pelos corredores de uma delegacia, na crença de que tal conduta algum dia chame
a atenção dos governos e das próprias instituições para a necessidade de uma
melhoria concreta na seleção, formação, remuneração, administração e aplicação
dos recursos policiais. Esses policiais são aqueles que escolhem descer, que
preferem sufocar a chama que os guia no trabalho policial.
A segunda
alternativa é fazer algo que o motive e traga alguma alegria. Não me refiro a
esta bobagem de “vestir ou suar a camisa”, mas ao desejo de realizar algo para
si mesmo, pelos colegas ou por alguém. Faço referência ao desejo de ignorar a
incompetência, a bajulação, o clientelismo, a maledicência e a inveja. Só isso
já vai diminuir a carga negativa do ambiente de trabalho. Pode até parecer
egoísmo ou ingratidão, mas é apenas o instinto de sobrevivência. A motivação
está em você e não na instituição que você representa. Então, leia artigos e
livros de interesse policial; participe de todos os cursos e palestras que
puder; realize todos os treinamentos possíveis (presenciais ou EAD).
Aproveite cada oportunidade que surgir e estude por conta própria. Avalie
aquilo que fez de errado e procure melhorar seu comportamento tático. Forme e
promova a coesão da equipe em que trabalha (quando eu trabalhava na DRE, o que me motivava era estar ao lado dos
“antigões” e sentir a emoção das operações de repressão. Aqueles policiais não
eram simples colegas, eram IRMÃOS.
Infelizmente, muitos policiais hoje em dia não conseguem entender o que isso
significa – e nem adianta explicar).
Quando faz isso,
você está, na realidade, fazendo algo para si mesmo. Você sabe que a arma que
usa é da polícia; que a munição é da polícia; o curso é da polícia; que o custo
é pago pela polícia; que quem forma o instrutor é a polícia; que a viatura é da
polícia, etc. Entretanto, caro amigo, a vida é sua. Ou seja, se você acha que
sua conduta está boicotando a polícia, vale informar que você está boicotando a
sua felicidade, a sua satisfação, a segurança e a própria vida.
Se você morrer
porque está de pirraça, adivinhe o que vai acontecer: NADA! É isso mesmo, NADA!
Os quartéis, as delegacias, os presídios abrirão as portas e funcionarão
normalmente, inclusive no dia do seu enterro. Portanto, treina-se para ficar
vivo. Os instrutores das academias também não estão trabalhando pra polícia.
Eles estão fazendo e trabalhando por você.
Agora pense sobre
seus verdadeiros
inimigos. Digo isso, porque você pode imaginar que seu inimigo é aquele cara
que tem opinião diferente da sua; aquele que prefere subir. Mas, seu verdadeiro
inimigo não sofre de estresse; não se preocupa com as contas e com os problemas
conjugais; não tem que cumprir horário; não precisa dar atenção aos filhos,
etc. A única coisa com a qual o seu inimigo precisa se preocupar é estar
preparado para acabar com você. E tenha certeza que nenhum criminoso vai fazer
pirraça ou inventar alguma desculpa para evitar esse trabalho.