domingo, 11 de setembro de 2011

Treinando para a hora da verdade! (Parte 2)

A primeira parte deste artigo tratou do porte e treinamento com saque de arma dissimulada, principalmente do treino em seco.

Contudo, só porque você tem uma arma, foi ao estande algumas vezes e disparou contra o alvo, não significa que se você tiver que sacar a arma e atirar em alguém num confronto real, você será capaz de fazê-lo. Tal ideia parece um contrassenso, uma vez que o treinamento é parte fundamental na atividade policial e conduta desejável em qualquer unidade policial do mundo. Mas, pergunte a qualquer policial que já precisou sacar a arma e atirar em alguém e ele vai lhe dizer que as coisas são bem diferentes quando o alvo está revidando e tentando matá-lo.

Infelizmente, algumas pessoas têm a ideia equivocada de que possuir uma arma e dispará-la algumas vezes é o suficiente para criar uma barreira invisível que irá protegê-las dos criminosos. Em função da arma, elas acreditam que serão capazes de sacá-la na hora da verdade e, em seguida, disparar uma quantidade determinada de tiros, a fim de incapacitar o agressor e repelir a ameaça.

Por causa dessa dificuldade, outro modelo desejável de treinamento policial para o futuro, em complemento ao atual, poderia ser empregado para permitir a interação entre os participantes para ensiná-los a fazer o que eles precisam fazer, a fim de não só se protegerem, mas sobreviverem ao conflito. Para isso, já existem as tecnologias do tipo Force-on-force (Simunition®, Airsoft) e os simuladores virtuais que obrigam os policiais a experimentarem as ansiedades de uma ação ou reação policial, os conflitos sobre o uso da força letal, as dificuldades dos confrontos em ambientes confinados e/ou mal iluminados, e a viabilidade de emprego de determinados equipamentos (coldres, rádios HT, etc.) e procedimentos (verbalização, técnicas, etc.).

Obviamente, como você já deve ter imaginado, isso tudo é algo que talvez ocorra daqui a 20, 30 ou 40 anos. Mas até lá, como dono de uma arma, você precisa buscar uma formação em algumas das seguintes áreas:

Treino sob estresse: treinamento sob estresse é importante porque quando estamos sob estresse sempre recorremos às coisas que conhecemos por instinto, ou seja, aquilo que é básico em nossa formação. Por isso, você não consegue realizar tarefas complicadas que é capaz de fazer quando está calmo ou num ambiente controlado. Além disso, mesmo que você esteja familiarizado com alguma técnica, a quantidade de estresse pode simplesmente destruir sua capacidade de autodefesa. Por isso, você já deve ter escutado histórias de policiais experientes que foram vítimas de criminosos. Certamente, eles não foram vítimas porque não sabiam lutar, mas porque talvez não soubessem lidar emocional e mentalmente com o estresse da coisa real. Assim, se você possui uma arma, você precisa ser capaz de operar com ela quando o estresse se iniciar. Você precisa ter ideias e métodos simples de ação/reação armada para praticá-los até que se tornem automáticos. Vale lembrar que muito desta prática pode ser alcançada com treinamentos em seco. Você também pode treinar o controle emocional nas atividades do cotidiano, como por exemplo, no estresse do trabalho, do trânsito, das discussões familiares, etc. Claro que nem sempre é possível manter o equilíbrio, mas é uma forma de treino. É bom informar, porém, que o ESTRESSE EMOCIONAL não possui nenhuma relação com esforço físico ou com alguém gritando ou atirando perto de você, como é costume ver em alguns treinamentos. Contudo, o estresse emocional é facilmente obtido por meio da ansiedade de um treino ou atividade em ambientes ou cenários desconhecidos, a chave dos simuladores virtuais e das tecnologias Force-on-force, quando o aluno policial interage com outras pessoas e com a surpresa de cada situação. Além disso, a necessidade de ter que selecionar a melhor opção de reação no menor tempo possível para uma dada situação é o elemento que provoca o estresse emocional que o aluno deve se acostumar.

Treinos com tomada de decisão: nem toda pessoa para quem você aponta uma arma, tem de ser baleada. Num ambiente com diversas pessoas e possíveis criminosos armados, você ainda tem que usar o bom senso. Treinamentos que ensinam o policial a identificar bandidos e espectadores inocentes são extremamente importantes. Tanto para evitar um problema jurídico quanto a perda de vidas inocentes. Certa vez, numa ação de combate ao tráfico de drogas, os policiais à paisana e de armas em punho abordaram uma quadrilha num posto de gasolina. Alguns criminosos tentaram fugir ao cerco policial, bem como um frentista que acreditou tratar-se de um assalto. Em meio à confusão, o funcionário do posto foi baleado no braço por um policial que o confundiu com os criminosos. Então, treinamentos com tomada de decisão sobre o uso da força letal são capazes de incutir o pensamento do tipo “eu só atiro quando tenho certeza!” Outra vantagem desse tipo de treinamento é que ele exige do policial plena concentração na tarefa. Por sua vez, a concentração e a necessidade de avaliação do cenário no qual o policial se encontra, faz com que ele aplique as técnicas policiais com melhor qualidade e segurança, contrariando a velha dinâmica das polícias brasileiras resumida na sigla NHS, ou seja, “Na Hora Sai”. Portanto, só porque você está autorizado a atirar em alguém não significa que você tem ou deve fazer isso.

Familiarização com o porte e o saque de arma dissimulada: se você estiver num confronto com seu adversário e sacar sua arma, você precisará estar familiarizado com ela e com o método de porte dissimulado que você escolheu. Que passos são necessários para que você levante sua camisa e saque sua arma do coldre? Você está usando equipamentos com travas de segurança? Isto é importante porque as coisas nem sempre são fáceis de fazer durante o estresse e com todos os botões e travas que você tem que lidar nesses tipos de coldres. Você também tem que levar em conta a roupa que está vestindo. Com a camisa que você está vestindo agora, é possível livrar toda a arma sem que parte da roupa se enrosque nela? Muitas pessoas pensam que a arma vai aparecer milagrosamente na mão enquanto, na verdade, ela provavelmente ficará presa na camisa, no cinto ou no coldre com trava ou irá cair no chão.

Sobre isso e complementando a primeira parte deste artigo, realizei um teste empírico para aferir o tempo gasto entre o saque de uma arma dissimulada (a partir de coldres e posições diferentes) e o primeiro disparo em seco. As posições de saque foram: frontal, lateral e nas costas. Os coldres usados foram: Fobus GL2, DeSantis The Insider IWR, Galco Small of Back. Vestuário para porte dissimulado: camiseta de manga curta. Quantidade de repetições aproveitadas: 20. Medida de tempo: segundos e centésimos de segundo. Arma usada: pistola Glock. Timer usado: Surefire para Iphone. Treino prévio: nenhum.


Ao final do teste, fui surpreendido pelos resultados. Ou seja, apesar de pregar o uso de coldres na lateral do corpo e portar minha arma dessa maneira, o melhor resultado final foi do saque frontal sem coldre (1,26s). Mas os melhores resultados individuais foram com o saque lateral com coldre Fobus (1,07s). Significa que usar coldre é melhor? Que o porte lateral é o mais rápido? Nada disso! Significa que cada policial apresenta o melhor resultado de acordo com seu modo particular de comportamento e treino. Este é um tipo de teste que você pode fazer no conforto da sua casa, com a arma em segurança total e sem gastar dinheiro com munição e estande. Tome nota dos resultados e observe se seu modo de portar uma arma é realmente o melhor para você. Obviamente, não recomendo o porte traseiro sem coldre com arma invertida (2,95s), pois das repetições de saque que realizei (e foram muitas), aproveitei apenas três.

Ações em ambientes confinados e/ou mal iluminados: um ambiente confinado normalmente é um local desconhecido, cheio de armadilhas e coisas que podem ser usadas para lhe atacar. Um ambiente confinado também pode ser o interior do seu carro, o banheiro do posto de gasolina, a garagem da sua casa ou o espaço entre você e o criminoso. Em locais assim, as técnicas policiais convencionais podem não funcionar adequadamente. Então, só porque você tem uma arma não significa que ela será eficaz em todos os cenários ou que é a única coisa que você pode precisar. Você ainda pode ter que lutar contra um assassino (mano a mano) até que você consiga sacar sua arma, apontar para ele e atirar. Talvez você tenha que lutar pela única arma disponível no momento: a do bandido. Conhecer métodos simples de luta, que serão lembrados e executados quando você estiver sob estresse, é uma necessidade. O agressor tem uma faca e vai atacá-lo, então preste atenção! Se ele é destro e desfere um ataque de cima para baixo, basta você segurar o punho do atacante enquanto posiciona seu pé esquerdo junto ao pé direito dele. Agora é só puxar o braço dele para baixo fazendo um círculo no sentido horário tendo seu pé esquerdo como eixo. Pegue o dedo mínimo da mão direita do agressor e o torça até que ele solte a faca. Pronto! Agora preste ainda mais atenção! Esqueça esta bobagem e não acredite em técnicas espalhafatosas de defesa pessoal, pois uma briga real está mais para um confronto tipo UFC do que para um dia de aula no tatame. Você pode até imobilizar o agressor, mas isso só vai acontecer depois que ele estiver atordoado e caído no chão. Assim, aquele agressor vai lhe atacar com uma faca. Então, corra enquanto tenta sacar sua arma, pois é a técnica mais simples que um policial pode aplicar. Se você não pode correr nem sacar sua arma, prepare-se para receber alguns ferimentos antes de utilizar toda sua raiva e energia contra o agressor, pois na luta pela sobrevivência a natureza não espera que você siga as regras. Continuar a luta quando você já está cansado e sem fôlego é uma obrigação, do contrário, você pode morrer. Por isso, a prática de atividades físicas na função policial é fundamental.

E se sua organização policial não está realmente atenta para essas coisas, pratique exercícios físicos por conta própria e treine com sua arma assim mesmo, pois é você quem está na linha de frente.