Num desses relatórios, 40 confrontos entre 43 criminosos e 50
policiais foram selecionados. Nele, alguns delinquentes admitiram que portavam
armas de fogo desde os nove anos de idade. Eles também disseram que andavam
armados a maior parte do tempo. Para a maioria dos policiais brasileiros isso
não é surpresa, já que muitos criminosos violentos possuem menos de 18 anos de
idade.
Mas pense nessa informação em comparação com os novos alunos
que chegam às academias de polícia. Quantos já manusearam uma arma? Quantos já
dispararam uma arma de fogo antes? Provavelmente uma minoria. Basta observar
que até policiais da ativa encontram dificuldades para comprar armas importadas,
munição e equipamentos de qualidade. Atiradores profissionais não conseguem
viver do esporte e destinam parte do salário dos empregos que possuem para
bancar as necessidades do treinamento. Existem poucos estandes de tiro de
excelência, sendo comum policiais e militares “treinarem” em alvos improvisados
contra barrancos ou pedreiras. Se quem gosta do esporte ou trabalha com armas
de fogo encontra tamanha dificuldade, o que dizer do jovem que pisa numa
academia de polícia pela primeira vez.
Mas algumas pessoas ainda vão dizer que os novos alunos não
precisam estar familiarizados com armas de fogo, pois eles aprenderão o que é
preciso durante o treinamento na academia. Até aqui tudo bem, se o treinamento
for adequado, com recursos materiais e financeiros suficientes e carga horária farta.
A vida do policial é muito importante para ser submetida a treinamentos rudimentares
por falta de dinheiro e tempo.
Bem, e o que ocorre quando os policiais recém-formados deixam
as academias de polícia? Quanto treinamento eles recebem depois que tomam posse?
Com as dificuldades já mencionadas e a cultura desarmamentista, provavelmente a
maioria dos policiais jamais receberá outro treinamento. Aqueles que tiverem alguma
sorte talvez recebam um ou outro treinamento de tiro antes de se aposentarem.
Alguns pagarão por cursos em escolas particulares, e pouquíssimos abençoados
participarão de um programa de treinamento contínuo.
Contudo, de acordo com o estudo do FBI, os criminosos “treinam”
com suas armas de modo regular. Por incrível que pareça, 80% dos criminosos
entrevistados alegaram participar de aproximadamente 25 sessões de “treinamento”
por ano. Então, analisando apenas a frequência de treino, quem está mais
preparado para um confronto armado: o policial ou o criminoso?
Analisando outros aspectos dos treinamentos, quantos deles
envolvem apenas dispor os policiais numa linha de tiro estática e ordenar que disparem
contra um alvo de papel ao invés de atirar enquanto se movem e buscam proteção?
Se o policial está barricado, ele pode ficar no mesmo lugar enquanto for seguro.
Mas se ele não está protegido, então é preciso ensiná-lo a se mover em busca de
uma barricada. Quantos agregam posições de tiro incomuns e distâncias variadas?
Você precisa experimentar posições diferentes, pois nem sempre vai estar em pé
e totalmente de frente para o agressor. É preciso entender que a distância do
alvo é que determina a cadência do tiro. O dinamismo num treinamento é
fundamental, pois é a regra num tiroteio!
O problema com a proteção é que a maioria não pensa sobre isso
até que seja tarde ou não exista mais uma barricada disponível. Mais uma vez,
as estatísticas do FBI informam que a distância entre os policiais e seus assassinos,
em 50% dos casos, ficou entre zero e 1,5 m. O intervalo entre 1,8 e 3 metros
representou 19% das ocorrências. Assim, quanta proteção pode existir quando o confronto
ocorre a curta distância?
Infelizmente é da natureza da atividade policial estar próximo
e lidar com pessoas indesejadas todo o tempo. Você não consegue algemar um
criminoso a dez metros de distância. Você não pode realizar uma busca pessoal a
cinco metros. Para fazer isso, é preciso estar perto do suspeito; e não existem
muitas proteções disponíveis em situações assim. Portanto, o policial precisa
aprender a se mover para criar alguma dinâmica que force o criminoso a se
adaptar à mudança e perder tempo precioso. E quem perde tempo, tem mais chance
de perder o confronto.
Então, é necessário algum treinamento de tiro em movimento. Além
disso, você precisa realizar exercícios de tiro a curta distância. O argumento
de que um policial que atira bem a 15 metros distância, também consegue acertar
o alvo a três metros está em desacordo com as dinâmicas e com as pesquisas
sobre o estresse físico e emocional dos confrontos armados. Quantos policiais
já não erraram tiros a poucos metros (ou centímetros) do alvo em ocorrências
reais?
E quantas vezes você já ouviu isso: “Pressione o gatilho
lentamente até que o disparo ocorra de surpresa!” Isso se aplica, e muito, ao
aprimoramento dos fundamentos do tiro preciso. Você tem que saber distinguir as
coisas. Mas faz sentido num conflito repentino e a curta distância? Claro que
não! Primeiro, você está mandando projéteis letais, logo, os disparos não podem
pegá-lo de surpresa. Segundo, você realmente acha que vai pressionar o gatilho
lentamente enquanto alguém que “treina” 25 vezes por ano está tentando matar
você a um metro e meio de distância? Entenda que você pode pressionar o gatilho
o mais rápido que puder. O que você não pode fazer é empunhar mal, sacar mal,
apresentar mal e apertar o gatilho sem controle como se estivesse com medo da
arma.
Portanto, os policiais precisam treinar do mesmo jeito que
lutam. É por isso também que técnicas mirabolantes de imobilização não
funcionam numa briga real, já que o oponente não vai esticar o braço e esperar
que você aplique a imobilização perfeita. Então, aquilo que no estande de tiro
ou no tatame algumas vezes parece divertido, não tem a menor graça nas ruas.
Assim, ao considerar qualquer treinamento, você deve se
perguntar: “É simples? Faz sentido no mundo real? Oferece um plano B ou C, caso
a primeira alternativa não seja viável?”
Por exemplo, algumas dinâmicas não ensinam a atirar recuando,
pois a teoria diz que se o policial se move lateralmente, ele consegue sair mais
rápido da linha de tiro do criminoso. Agora, faça as três perguntas. O treino é
simples? Sim! Faz sentido no mundo real? Depende! Oferece opções? Não!
Suponha que você está progredindo por uma viela. De repente, o
suspeito aparece e dispara contra você. Avançar na direção do atirador é uma
opção (kadima, como dizem os
israelenses), mas não a melhor para esse momento. Você não pode se mover
lateralmente porque a viela é estreita. Então recuar enquanto você atira é a
melhor opção. Mas isso ninguém ensinou! Limitar o policial a aprender apenas
uma forma de fazer as coisas não faz sentido porque no mundo real é importante
ter opções.
Entretanto, você não pode colocar toda a culpa no instrutor.
Quantas vezes os colegas aparecem para os treinos? Quantos vão ao estande de
tiro com comportamentos ruins? Quantos policiais enxergar uma arma de fogo como
uma ferramenta qualquer, semelhante a um computador ou uma caneta? Quantos dizem
que já sabem atirar porque não querem aprender algo novo.
Você não precisa passar dias estudando os dados do FBI. Basta
assistir os vídeos que circulam nos grupos policiais do Whatsapp. Se a realidade não o convencer de levar o treinamento
mais a sério; se não fizer as organizações policiais melhorarem o treinamento,
então, nada vai fazer!
https://www.fbi.gov/about-us/cjis/ucr/leoka/2014