Para
o senhor, o que é a sobrevivência policial?
Sobrevivência policial é a capacidade de
permanecer vivo nas situações adversas. Essa capacidade pode ser nata, pelo
simples desejo de continuar vivo, ou pode ser aprendida através do treinamento mental,
físico, comportamental e técnico.
Qual
a visão (política, social e legal) que o senhor tem sobre a violência contra
policiais?
A violência tem sido uma via de mão dupla e
um círculo vicioso. Quer dizer, o desamparo institucional e governamental que
sugerem que a polícia é “um mal necessário”, uma “fonte de problemas” e a única
culpada pela insegurança pública; a aparente dissintonia entre os Poderes; a parcialidade da imprensa, muitas
vezes descompromissada com a verdade e a justiça; e a desconfiança por parte
dos bons cidadãos impedem que o profissional de segurança compreenda e
internalize que seu dever é PROTEGER
e SERVIR o cidadão. Então, a
primeira ideia que todo policial incorpora é que ele deve somente COMBATER o crime, mas como se TODAS as pessoas fossem inimigas ou
dignas de desconfiança. Ele tem aprendido, pela prática, que está sozinho, sem
liderança e sem apoio. Ainda que o CRIMINOSO
seja um inimigo, o trabalho policial é consequência da necessidade de se
proteger os inocentes e os indefesos.
Infelizmente, o resultado da omissão, da
incompetência e do amadorismo com que a segurança pública e o homem de polícia
(principalmente aquele que está na base da pirâmide) são tratados ficam visíveis
nas interações entre o público e a polícia. Estranhamente, a primeira vítima
desse desamparo é o próprio policial. Sem que perceba, ele transfere para a
comunidade toda carga negativa que recebe, sendo insensível aos problemas dos
cidadãos ou utilizando a violência sem necessidade. A segunda vítima (e vítima
duas vezes) é o bom cidadão, igualmente abandonado, sozinho e indefeso diante
do criminoso. A situação do cidadão é ainda pior, já que seu direito à
autodefesa, por meio da arma de fogo, não é respeitado pelo Estado.
Desse modo, o cidadão não enxerga o
policial como um protetor, e isso reforça sua rejeição ao aparato policial. A
falta de reconhecimento social, então, reforça o abandono experimentado pelo
policial. Assim, ele continua seu trabalho acreditando que seu objetivo
principal não é a salvaguarda social, mas apenas o combate. O combate é
necessário, mas sua razão principal é a proteção das pessoas indefesas.
Seria
interessante uma disciplina que abordasse esse assunto nos Centros de Formação
profissional? Por quê?
Sim, seria interessante. Porém, mais que
interessante, a disciplina “sobrevivência policial” e os aspectos envolvidos na
violência contra policiais deveriam ser obrigatórios em qualquer curso de
formação profissional.
A inclusão dessas disciplinas reforçaria o
entendimento de que o trabalho policial é perigoso por natureza, mesmo quando
não se está “trabalhando”. Também poderia contribuir para o início de ESTUDOS DE CASOS NACIONAIS referentes à atuação dos policiais durante e fora do
serviço, bem como a coleta e análise de dados estatísticos sobre a vitimização
de policiais no Brasil. Tudo visando estabelecer normas, técnicas e
procedimentos para a salvaguarda do policial.
Dados estatísticos são produzidos todos os
dias, ano após ano, sempre que o policial sai para o trabalho. Entretanto, não
conseguimos extrair os ensinamentos deixados por aqueles que foram feridos ou
mortos. Fala-se sobre a letalidade da polícia, mas nada é dito sobre a morte de
centenas de policiais todos os anos. Nem mesmo as instituições policiais se
preocupam em descobrir o que deu errado e o que precisa ser melhorado na
atividade policial.
Muito é feito para tornar a vida do criminoso
melhor, contudo quase nada é realizado para tornar a vida do policial e do cidadão
menos sofrida e perigosa.
Na
opinião do senhor, faria diferença na atuação prática do policial, caso seja
implementada essa disciplina, nas ocorrências em horário de folga?
Certamente. Os conflitos envolvendo
criminosos e policiais em serviço se diferenciam das circunstâncias nas quais
os policiais estão de folga. Contudo, os princípios da sobrevivência policial
se aplicam ao homem, e não somente ao trabalho policial. Portanto, servem para
todos os horários e situações. Desde 2007, todos os treinamentos de tiro que
implementei tinham relação com a sobrevivência policial,
principalmente nas situações fora de serviço.
Hoje,
para o senhor, o policial sai de um centro de formação preparado para
defender-se nas situações de folga?
É difícil concluir, pois os cursos de
formação variam de acordo com a instituição policial, o Estado, o posto ou
graduação do aluno, o tempo de formação e os recursos disponíveis. Por isso, é
razoável afirmar que os cursos abrangem desde o mais amador até o mais
profissional POSSÍVEL.
Pessoalmente, creio que os centros de
formação não preparam o policial para sobreviver nas situações de folga e ainda
não alcançaram um patamar aceitável para sobrevida durante o serviço. Isso não
tem relação apenas com a disciplina “sobrevivência policial”, mas incorpora o
comprometimento institucional, o apoio psicológico, o preparo mental e físico
do policial, seu treinamento após a formação, a utilização de ARMAS CONFIÁVEIS e de QUALIDADE INTERNACIONAL (eu disse INTERNACIONAL), tecnologias menos
letais, treinamento continuado, viaturas e uniformes adequados, produção de
dados e informações para elaboração de estudos de casos, etc. Incorporam, acima
de tudo, o compromisso do próprio policial e a INTER-RELAÇÃO DE TODAS AS DISCIPLINAS dos cursos de formação (como
se fosse apenas uma).
O
senhor poderia explanar sobre experiências em casos de violência contra
policiais?
A violência contra o policial tem início na
própria instituição que ele representa. Abrange desde questões disciplinares
como forma de perseguição, baixos
salários, separação e ineficácia do trabalho, imposição de
uma obediência subalterna (um contraponto à capacidade de pensar,
decidir e agir com autonomia), etc. O policial também protagoniza uma violência
contra si mesmo quando se afasta do treinamento físico, do treino de tiro;
quando negligencia sua própria segurança por não investir em equipamentos de
qualidade, etc. Ainda que não seja uma violência física, essas questões
prejudicam o emocional e o psicológico do policial, além de produzir um acentuado
grau de desmotivação profissional entre policiais que poderiam representar uma FORTE E POSITIVA LIDERANÇA PARA OS NOVATOS, visando uma mudança cultural
e a interrupção daquele círculo vicioso que mencionei. Se isso ocorresse, todos
(Estado, cidadãos, instituições policiais e os próprios policiais)
compreenderiam o valor da segurança pública e o verdadeiro dever cívico da
tarefa que desempenham.
O ambiente de trabalho melhorado para TODOS favoreceria o estreitamento dos
laços de amizade e irmandade, e de cuidado e proteção entre os policiais e seus
familiares. O apoio da comunidade, da imprensa e do Estado melhoraria a
autoestima do policial e a percepção da importância do seu trabalho. Tudo isso
seria revertido em benefício do cidadão e do país.
Entretanto, isso está longe de acontecer e
a violência que fere e mata aos poucos o policial começa assim que ele se
prepara para o trabalho. Já a violência física está estampada nos telejornais e
nos altos índices de assassinatos e suicídios de policiais, sem que ninguém se
importe com isso!
Um policial desmotivado e abandonado é um
policial a menos! Um policial respeitado e ciente da sua função tem valor
inestimável!
No descaso com seus policiais, federação nenhuma do Brasil supera o Rio de Janeiro.
ResponderExcluirProfessor, o senhor é foda!
ResponderExcluirAlém de ser um cara de ação e de excelência técnica, é um exímio pensador, questionador, faz ótimas reflexões.
O senhor e alguns outros Policiais Federais e Civis que eu conheço deveriam ser gestores de mudanças que para impactar toda a estrutura policial brasileira!