Há
uma crença popular que diz que ninguém morre antes da hora. Algumas pessoas
ainda acreditam que a forma como a morte se dá também faz parte do destino ou
dos desígnios divinos. Talvez essa ideia sirva apenas para amansar a mente e a
alma daqueles que sofrem a perda repentina de alguém muito querido. Ao
transferir a responsabilidade pela forma e hora da morte para a esfera da fé, aqueles
que ficam podem sentir algum alívio da dor causada pela morte, mas também pela
insensibilidade da justiça dos homens.
Se a vida e a morte fazem parte de um
destino imutável, e se a forma como se morre também, então não há livre
escolha, nem mesmo homens culpados. Todas as peças estão conectadas e
sincronizadas como num relógio de ponteiros. Assim, se uma pessoa TEM que morrer numa determinada data e
de uma maneira específica, nada pode ser feito para salvá-la. Por exemplo, um
motorista decide realizar uma ultrapassagem sobre uma ponte numa curva na
BR-262. O motorista que segue no sentido contrário se assusta com a manobra,
perde o controle do carro e cai num barranco. O veículo fica parcialmente
submerso no rio que corre debaixo da ponte. Nesse acidente, morrem o pai do
motorista, o motorista e sua filha pequena. O veículo que causa o acidente
segue viagem e não é localizado. Imprudência?! Não! É o destino, pois ninguém morre
de véspera!
Além disso, se a vida de um homem é parte
desse destino inabalável, logo, suas misérias e suas reações diante delas são
igualmente inflexíveis. São as forças do Universo conspirando para formar uma
pessoa capaz de interferir na vida de outra. Alguém pode até afirmar que apesar
dessa força, ainda existe o livre arbítrio para que o suposto “algoz” possa
frear seu ímpeto. Mas se ele for capaz de fazer isso, onde fica o destino da
suposta vítima? Considerando a possibilidade do livre arbítrio, e a capacidade
do “algoz” não cometer o “crime”, talvez o destino permita que outras pessoas sejam
testadas até que o mais fraco cometa o “crime” e conclua o destino da “vítima”.
O que estou tentando dizer é que existem
centenas de milhares de seres humanos que foram escolhidos para uma tarefa
difícil e ingrata: dar fim a sua vida para que seu destino chegue a bom termo.
Portanto, aquele que mata não está agindo
com livre arbítrio. Está apenas exercendo a vontade de Deus, a vontade implícita
da própria vítima e o destino do qual não possui força para se esquivar. Que
dizer, o “criminoso” que mata não é culpado, mas auxiliar de Deus ou vítima do
destino alheio. Pode-se afirmar, inclusive, que é o destino do homem
assassinado uma força irresistível que transforma uma pessoa em alguém fora da
lei. Assim, a culpa é da vítima, pois se ela não sangrasse após esfaqueada; se
não tivesse escolhido tal destino; se não estivesse no “lugar errado e na hora
errada”; se tivesse, simplesmente, não nascido...
Vale lembrar alguns casos dessa simbiose à
brasileira*:
Em 1992, uma atriz morreu porque seu destino
era receber 18 tesouradas. Em 1996, o destino de um homem foi ter braços,
pernas e genitália amputados com uma motosserra. Em 1997, o carma de um menino
de oito anos foi ser sequestrado, sedado e morto com dois tiros no rosto. Entre
1997 e 1998, oito mulheres foram estupradas e mortas num parque de Diadema/SP.
Em 1999, um calouro de Medicina se afogou durante um trote na USP. Ainda em
1999, três pessoas encontraram o mesmo destino quando um estudante invadiu uma
sala de cinema e disparou uma arma contra os espectadores. Em 2000, um homem
sequestrou um ônibus no Rio de Janeiro/RJ e manteve vários reféns; ao perceber
a aproximação de um policial, o homem disparou três vezes contra a professora
que ele usava como escudo. Também em 2000, uma jornalista encontrou seu destino
quando foi baleada duas vezes nas costas pelo ex-namorado. Em 2002, outro
jornalista seguiu seu destino ao ser torturado, esquartejado e incinerado numa
comunidade carioca. Em 2003, um cirurgião matou e esquartejou a ex-paciente e
amante. No mesmo ano, um casal de adolescentes foi acampar num sítio
abandonado; o garoto morreu com um tiro na nuca e a menina foi torturada e
estuprada durante três dias antes de ser morta. Entre 2003 e 2004, 12 meninos
encontraram o destino ao serem abusados sexualmente e mortos por um único homem
no Rio Grande do Sul. Em 2005, uma missionária foi morta com sete disparos na
cidade de Anapu/PA. Em 2006, uma facção “criminosa” matou mais de 100 pessoas
no Estado de São Paulo em apenas três dias. Em 2006, dois “assaltantes” amarraram
uma gerente comercial, o marido dela, o filho e uma funcionária, colocaram
todos em um carro e atearam fogo. Em 2007, um menino de seis anos foi arrastado
por sete quilômetros do lado de fora de um carro no Rio de Janeiro/RJ. Em 2008,
uma menina de cinco anos foi jogada pela janela de um apartamento no sexto
andar. Em 2011, o ex-aluno de uma escola carioca disparou sua arma e matou 12
estudantes. Em 2015, um cardiologista foi esfaqueado e encontrou seu destino
enquanto pedalava sua bicicleta. Crimes?! Talvez o destino!
Bem, se você acha que eu sou louco, vou
reproduzir três citações capazes de mostrar quão são eu sou.
“Se
vocês querem uma resposta jurídica da coisa, para dizer que vocês não tenham
nenhuma consequência, não atirem! VOCÊS
SÓ PODEM ATIRAR A PARTIR DO MOMENTO QUE VOCÊS FOREM ALVEJADOS. Vocês não
têm uma arma para atacar. Vocês têm uma arma para se defender! Não coloquem a
vida de vocês em risco nem a vida de terceiros em risco para pegar um
criminoso! Eu acho que a arma é defesa!” Palestrante da área jurídica.
“Para
mim, ESSE ADOLESCENTE TAMBÉM É UMA
VÍTIMA. Se as pessoas virem o local onde ele mora, vão entender o problema
social.” Comentário relacionado à apreensão do menor suspeito de matar o médico
Jaime Gold.
“Quando
o bandido entra no supermercado armado, pelo simples fato dele entrar armado, o
policial já acredita que pode atirar. Só que o Direito não abarca essa
situação.” Comentário relacionado à ação de um PM durante uma tentativa de
assalto num supermercado.
“Ainda
de acordo com o delegado, como a ação do policial militar não é amparada pela
lei, acabou beneficiando os bandidos. OS
ASSALTANTES PODEM ALEGAR LEGÍTIMA DEFESA.” Conclusão da apresentadora do
telejornal.
As prisões brasileiras estão cheias de
vítimas sociais. Estão repletas de inocentes contumazes cujos supostos crimes
foram ajudar pessoas desconhecidas (ou conhecidas) a concluírem seus destinos. Ali
estão seres humanos que se dispuseram a atuar no destino de milhões de
brasileiros. Alguns agindo várias vezes ao longo dos anos, inclusive. São os
nossos profissionais do destino alheio, sempre dispostos a fazerem algo para o
próximo, mesmo que suas ações estejam descritas no Código Penal (que já foi
anotado, interpretado, esquematizado, reformado e comentado), mesmo que suas
ações contrariem o bom senso do mais idiota dos homens e mesmo que suas ações
tragam medo, pavor, dor física e moral, desesperança, raiva, ódio, saudade,
lágrimas, impotência, vazio, tristeza e luto.
Pensando melhor... Prefiro o livre arbítrio,
O MEU DIREITO DE VIVER E LUTAR com
todas as forças, O MEU DIREITO DE PORTAR
UMA ARMA DE FOGO, ainda que eu tenha fé em Deus!
Fonte: http://noticias.terra.com.br/brasil/crimes-que-abalaram-o-brasil/